PODCAST – O direito de pensar – Uma viagem radiofônica ao julgamento do macaco

PODCAST – O direito de pensar – Uma viagem radiofônica ao julgamento do macaco

A derrota de Donald Trump nos EUA está sendo interpretada como a derrota do negacionismo da ciência. O presidente norte-americano, que minimizou a Covid-19 e zombou das recomendações dos cientistas, acaba de perder as eleições, mas se recusa a aceitar a vitória de Joe Biden. Apesar de atual, esse negacionismo é antigo. Um famoso julgamento ocorrido em 1925, no estado do Tennessee, acaba de ser resgatado e transformado num audiodrama em forma de podcast pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ. “O direito de pensar – Uma viagem radiofônica ao julgamento do macaco” traz a história de um professor que foi acusado de ensinar a Teoria da Evolução de Charles Darwin numa cidade cuja população fundamentalista se negava a acreditar que o homem é descendente do macaco e não de Adão e Eva. Mais negacionista, impossível!

A ideia da diretora teatral e servidora da justiça Sílvia Monte foi justamente trazer esse debate entre ciência e religião, envolvendo também liberdade de expressão, para os dias atuais. Em tempos de pandemia, a alternativa para reeditar o texto – levado para o cinema na década de 1950 – foi de produzir um podcast, gravado via Zoom, com 19 atores – entre artistas profissionais e magistrados – contracenando cada um em sua casa e on-line. Um desafio e tanto! Mas, se esse é o novo normal, a arte que lute para se adaptar! E assim foi.

O podcast foi lançado no último dia 5, e o primeiro episódio está disponível em diversos agregadores de podcast. Até o dia 10 de dezembro, toda quinta-feira, serão disponibilizados os seis episódios da série.

Além da necessidade de isolamento social, a escolha do podcast teve mais uma motivação: o fato de o famoso julgamento ter sido o primeiro transmitido ao vivo pelo rádio. E já que a ideia era atualizar a história, nada melhor do que transportar o caso para o formato contemporâneo de rádio: o podcast. E se o audiodrama é “irmão” da radionovela, coube a uma rádio fictícia noticiar essa história.

A aventura teve início com a criação do texto, parceria da própria Sílvia Monte com o professor da Escola de Comunicação da UFRJ e diretor teatral José Henrique Moreira, também responsável pela pesquisa e pela tradução das atas do processo de 1925. Colaborou ainda, como dramaturgo assistente, o advogado Ricardo Leite Lopes, que já escrevera com Sílvia a peça “POR ELAS  Até que a morte nos separe” (2016), sobre violência contra a mulher e feminicídio.  

O segundo passo foi montar o elenco, formado por oito magistrados do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro – desembargadores e juízes –; um advogado, também magistrado aposentado; e dez atores profissionais. A trilha sonora também está a cargo de um desembargador, dublê de músico e magistrado, e conta com a participação especial do Coral do Centro Tecnológico da UFRJ.  Durante oito meses, o grupo encontrou-se via internet, cada um em sua casa, na frente de computadores, celulares e tablets. Assim aconteceram as reuniões de dramaturgia e os encontros com os integrantes de cada área – artística, técnica e produção –; assim como os ensaios e as gravações dos episódios.

O podcast é uma realização da EMERJ – sob o comando do diretor-geral da instituição, o desembargador André Gustavo Corrêa de Andrade, que faz inclusive uma participação especial no quinto episódio.

 

DEPOIMENTOS DE MAGISTRADOS

  • “Tenho como um privilégio participar do audiodrama ‘O direito de pensar’, empreendimento artístico que, para além de criativo e inovador pela plataforma escolhida em tempos de pandemia, mostra-se absolutamente oportuno e atual, embora baseado em fatos reais ocorridos na primeira quadra do século passado. A ideia de reviver o chamado ’Julgamento do macaco’ surge consistente com os tempos sombrios que experimentamos pela reedição de posturas e práticas obscurantistas – para não dizer fascistas – em todo o mundo. Conquistas históricas que pensávamos inabaláveis e permanentes encontram-se sob ameaça de ruírem, tais como o estado laico e a liberdade de expressão e pensamento.”

(ELIZABETH LOURO – Juíza de Direito / TJERJ)  

  • “Tem sido inspirador repensar a justiça através da arte; discutir o cisma entre religião e ciência por meio da dramaturgia, e refletir sobre a arte em si, ao experimentar nova forma de expressão. Uma iniciativa desafiadora, emocionante e essencial.” (RICARDO ANDRADE – Juiz de Direito / TJERJ)
  • “Participar desta montagem teatral de ‘O direito de pensar’ no formato de audiodrama, além de uma honra, foi para mim um importante aprendizado.   Ao resgatar as circunstâncias que cercaram o famoso ‘Julgamento do macaco’, somos instados a refletir sobre as virtudes e mazelas da sociedade, representadas no microcosmos de Dayton, pequena cidade encravada no interior do sul estadunidense, quase cem anos atrás. Curiosamente, muitas das vicissitudes daquela comunidade, embora envoltas em outros disfarces, ressurgem revigoradas nos dias de hoje, ao redor do mundo, e peculiarmente em nosso país: radicalismo, ameaças à liberdade, discursos de ódio, xenofobia, preconceitos de raça, gênero, religião, entre outros. Não podemos assistir impassíveis a esses atentados à nossa tão preciosa democracia, com os quais o ouvinte há de se deparar no belo e ágil texto de José Henrique Moreira, Sílvia Monte e Ricardo Leite Lopes. Baseado em fatos reais que sacudiram o mundo daquele alvorecer do século passado, o texto segue atualíssimo e convida – sobretudo nós, magistrados – a decidir sobre nossa atitude: aceitaremos o retrocesso ou avançaremos em direção à tolerância e à construção de um mundo mais justo?.” (RENATO LIMA CHARNAUX SERTÃ – Juiz de Direito / TJERJ)
Flavia Ferreira

Flavia Ferreira

Jornalista e viajante nas horas vagas. Sou apaixonada por conhecer novos locais e culturas, assim como por um café quentinho e uma bela taça de vinho.