#OrgulhonoCEM: Ana Acioli, conta sobre suas vivências e uma construção de narrativas diversas e humanizadas sem tirar o pé das suas raízes

#OrgulhonoCEM: Ana Acioli, conta sobre suas vivências e uma construção de narrativas diversas e humanizadas sem tirar o pé das suas raízes

Por Rafaela Lohana

Ana Acioli, antes de mais nada, é filha de Eliete e Eduardo. “Meu pai, motorista de ônibus e minha mãe,  camelô. Criada com muito amor e com muita luta, pra chegar até onde eu cheguei e vou chegar ainda, eu tô no caminho.” — assim começou a responder uma das primeiras perguntas, fazendo reverência aos seus que vieram antes na sua jornada e  traçando quem ela é.

A jovem que nasceu e cresceu no Parque Colúmbia, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro, é a nossa convidada da campanha #OrgulhonoCEM, que tem como objetivo principal dar visibilidade a lideranças LGBTQIA+, nas suas jornadas pessoais e profissionais.

No princípio do seu processo identitário com as questões raciais e de gênero, Ana conta que foi um momento de muitas revoltas: “Quando fiz 14 anos, talvez, fui compreender que eu era uma mulher negra. Compreender as violências que passava, e a nomeá-las; as violências que via as pessoas passando e entender como o sistema funcionava. Como era o processo de hierarquia construída no país em que a gente vive.”.

Junto das mudanças e ampliação do horizonte, Ana Acioli além de ter ingressado na Agência de Redes para a Juventude, projeto que potencializa ações de jovens periféricos em seu território, também conheceu o Slam Poetry. A batalha de poesia falada que foi criada nos EUA na década de 1980 e trazida ao Brasil por Roberta Estrela D’Alva em 2008, foi uma das primeiras produções dela ainda na Agência. 

— Um processo muito importante pra mim. Acredito que foi a primeira manifestação cultural de forma consciente que fiz parte. E também comecei a produzir o Slam Roda das Manas, na época, era um lugar de acolhimento que encontrei na cultura, desde o princípio. Ao mesmo tempo um lugar de lutas. Então consegui ter um alicerce, uma base, para me ajudar naquele momento de descoberta.

A Produção como instrumento de luta

A partir desse encontro com a Produção Cultural, a Ana se envolveu em vários projetos e vem construindo pilares de diversidade. E uma das suas facetas é mostrar em suas redes sociais o lado menos glamourizado da profissão. Sem roteirização, ela conta que um dos  maiores problemas na produção de periferia é a falta de fomento.

 – Tem projetos de pessoas de periferias com ideias incríveis. Projetos que se recebessem fomento estariam mudando a vida de muitas pessoas. A gente continua vendo uma centralização de dinheiro na mão das mesmas pessoas brancas, cis e de classe média que estão produzindo cultura, e não tem uma distribuição correta e justa dessa verba. — conta.

O processo de produzir cultura em territórios vulneráveis e ainda fazendo parte também das minorias de baixa renda é muito precário.

 — Infelizmente a gente ainda passa o maior ‘perrengue’ que é produzir cultura onde não somos valorizados, estamos vendo os mesmos corpos hegemônicos dominando o mercado cultural. O que é muito triste porque a periferia tem potência (…) Se os projetos e profissionais fossem valorizados ‘não teria pra ninguém !  — afirmou.

Para além dessas dificuldades enfrentadas, um dos episódios de bastidores que Ana se recorda em que a produção de fato “gerencia a situação” foi quando no set de filmagens de uma externa com Mãe Meninazinha de Oxum, apareceu o contratempo há galopes (literalmente). “Dois homens em dois cavalos enormes. A produção pensa logo ‘meu Deus, este áudio não pode vazar nesta gravação!’ (…) a gente conseguiu e não vazou o áudio.”.

A vivência enraizada na produção

Uma das questões levantadas na entrevista foram as relações trabalho e bem estar. As privações da profissão impactaram diretamente a saúde de Acioli. Ela contou como a sua vivência sendo uma mulher preta, bissexual e periférica tem transformado o espaço em que ela atua, as suas oportunidades e a expectativa do seu olhar na produção.

 — Quando comecei a entender como era esse mercado, como as pessoas se relacionavam, a primeira coisa que senti foi: que mercado tóxico. Porque o produtor tem de estar vinte e quatro horas disponível. (…) E quando comecei a ter a oportunidade de trabalhar em produções fora da periferia, principalmente com pessoas brancas, percebi:  Caraca, essa galera está se comendo  —  querendo voltar pro meu bairro, porque na periferia somos todos um, todo mundo dando a mão em prol de algo maior.   — relatou.

O afeto entre quem produz coletivamente é muito vivo nas produções periféricas, devido a pressão mercadológica Ana ficou sem rotina e segundo ela perdeu o fazer de coisas básicas que a tornavam humana. Nessa trajetória surgiram questões maiores ligadas à mulher negra, violências e servidão e a percepção de características num modo de trabalho que ela não se encaixava.     

 — Eu comecei a questionar muita coisa quando comecei a produzir, e decidi que quero construir uma produção afetiva, representativa, que tenha retorno social e impacto social. Que os meios justificam os fins e não que os fins justificam os meios.  porque se a gente está falando sobre saúde, estamos falando de vida e também de respeito. Eu não estou disposta a pagar por isso para entregar uma produção.

Ana responde que visa mais produções humanizadas e que para ela façam sentido como lugar de cura coletiva, principalmente para as minorias. Como também ligadas à sua luta racial, de gênero e territorial.

De olho no futuro

Apesar de muito jovem, Ana Acioli a partir de suas experiências traz percepções sobre perspectivas para a cultura num  pós – pandemia. Mesmo após um ano, o setor ainda sofre com a intervenção crescente da Covid-19 no Estado, mesmo se reinventando com os projetos e eventos transportados para o mundo digital. E na mesma medida as vozes de minorias sociais têm tomado espaço.

 — Eu sou uma mulher de fé, se tem uma coisa que sou rica é fé. Esse momento de pandemia vai servir para nos trazer para a consciência das verdadeiras urgências que temos no nosso mercado. Vivemos uma violência da cultura do machismo, racismo, da LGBTfobia, que foi uma cultura que foi construída por quem está no poder. Sistematicamente criaram uma gestão que coloca a gente nesse lugar violentado. Então, é preciso ‘abrir o olho’  e criar políticas públicas, criar fomento e produções culturais como ferramenta para combater essas culturas opressoras. — diz Ana.

A necessidade da incorporação de fomento “de periferia para a periferia, de pretos para pretos, de LGBT para LGBT” é urgente. É um dos horizontes que a produtora acredita. “Nós precisamos mais do que sobreviver, viver. (…) precisa -se que a consciência venha à tona e nossas urgências sejam atendidas, porque é sobre a nossa vida e sobre a garantia dela.”.