REFLEXÃO SOBRE A MOBILIDADE COMO DIREITO HUMANO É TEMA DE LIVRO

REFLEXÃO SOBRE A MOBILIDADE COMO DIREITO HUMANO É TEMA DE LIVRO

Na última quinta (6 de maio), uma operação no Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, provocou um intenso tiroteio que deixou mais de 20 pessoas mortas e duas baleadas dentro do vagão do metrô da estação Triagem. Moradores não conseguiram sair de casa, como uma noiva de casamento marcado e uma grávida com parto agendado, segundo matéria do site G1. Este fato cotidiano traz reflexões e debates pouco difundidos, como espacialidade urbana, direito à mobilidade e o racismo, que são retratados ao longo de 400 páginas do livro Mobilidade Antirracista, publicação editada pela Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com a Autonomia Literária.

“Almejamos a contribuição e oferecemos, nesta produção, debates que pensam a mobilidade baseada no direito a transitar que determina o direito de existir” explica Rafaela Albergaria, uma das organizadoras da publicação. Ela própria sofreu as consequências da ineficiência e descaso no sistema de transporte coletivo ao perder a prima, Joana Bonifácio, morta aos 19 anos ao cair nos trilhos da estação de trem Coelho da Rocha (RJ). A partir desse fato, Rafaela e sua família iniciaram uma mobilização para debater a recorrência desse tipo de ocorrência e a necessidade de repensar mobilidade enquanto direito de ir e vir com segurança. 

Há vasto registro de situações inaceitáveis, como trens superlotados nas periferias das principais metrópoles brasileiras. A desigualdade entre metrôs organizados e seguros em algumas capitais e trens caóticos e perigosos para os pobres ainda é percebida como regra – nunca como exceção. Da mesma forma, em função da pandemia, muitas empresas e governantes determinaram a redução da quantidade de ônibus em circulação, mantendo assim o equilíbrio financeiro e, ao mesmo tempo, a lógica perversa da superlotação – o que amplia os riscos de contaminação pela Covid-19. Paíque Santarém, também organizador do livro, destaca: “Na lógica da catraca, em que passageiro é receita e o custo de levar uma pessoa ou cem varia pouco, quanto mais gente apertada por metro quadrado, melhor. Mesmo que isso signifique aumentar a possibilidade de alguém morrer”.

O sistema de transportes no Brasil é racista, desigual e excludente. Quase em sua totalidade, o sistema é pensado e reforçado sem participação democrática e tem como eixo estrutural dividir e segregar. Quem planeja e decide como as redes de transporte serão distribuídas, organizadas e mantidas costuma ter o mesmo perfil. Mesmo quando existe boa vontade, a falta de diversidade de olhares leva a uma visão limitada sobre problemas e soluções. Com isso, é perpetuada uma condição de desigualdade onde um direito humano, que é o simples ato de circular e acessar tudo o que integra o nosso cotidiano (trabalho, escola, lazer, por exemplo) não é garantido de forma sustentável e inclusiva à população, especialmente pessoas pretas, pobres e periféricas.

No contexto em que este livro foi escrito, durante a pandemia ocasionada pela disseminação da Covid-19, essa ideia ganhou outra dimensão. Pela primeira vez, pessoas que até então nunca tiveram dificuldades em se locomover, atravessar cidades, entrar em shoppings e restaurantes, ou mesmo cruzar fronteiras, viram o mundo encolher. Com as políticas de distanciamento social adotadas para tentar conter a disseminação do coronavírus, circular livremente deixou de ser uma opção.

Narrativa temática através de poesias, artigos acadêmicos e análises

Mobilidade Antirracista aborda o tema numa narrativa formada por poemas, slams, músicas, artigos acadêmicos, análises, entrevistas e muitas ideias embaralhadas de maneira livre, em transfluência, transicionando os coletivos possíveis. São autoras, autores e entrevistados de origens, lugares e vivências das mais diversas.

A lista de autores e entrevistados é rica e extensa: Anna Nygård, Agenda Nacional pelo Desencarceramento, Ayanna Pressley, BNegão, Daniel Caribé, Daniel Santini, Denílson Araújo de Oliveira, Elisa Lucinda, GOG, Higo Melo, Jô Pereira, João Bertholini, João Pedro Martins Nunes, Juliana Lama, Katarine Flor, Kelly Cristina Fernandes Augusto, Kazembe Balagun, Lisandra Mara, Luana Costa, Luana Vieira, Lucas Koka Penteado, Lúcia Xavier, Marcelle Decothé, Matheus Alves, Mayra Ribeiro, Meimei Bastos, MC Martina, Monique Cruz, Movimento Passe Livre, Nego Bispo, Neon Cunha, Nívea Sabino, Paíque Duques Santarém, Paulo Lima, Rafaela Albergaria, Tainá de Paula, Talíria Petrone, Tom Grito, Vilma Reis e Vitor Dias Mihessen.

No texto de contracapa que apresenta a publicação, Silvio Luiz de Almeida – doutor em direito, advogado e presidente do Instituto Luiz Gama, afirma: “O tratamento dispensado pelo presente livro à questão da mobilidade urbana nos leva a refletir como o racismo opera na configuração dos espaços e na determinação das condições com que os corpos se movimentam em cidades organizadas pela lógica da exploração capitalista. Por isso, a luta antirracista consiste na formulação teórica e na realização de práticas políticas que quebrem as interdições raciais e de classe”.

Mobilidade Antirracista é a terceira publicação da Coleção Cidade Livre, uma parceria da editora Autonomia Literária e da Fundação Rosa Luxemburgo. Da mesma série, há também o livro Passe livre: as possibilidades da tarifa zero contra a distopia da uberização, de Daniel Santini, e Tarifa zero: a cidade sem catracas, de Lucio Gregori, Chico Whitaker, José Jairo Varoli, Mauro Zilbovicius e Márcia Sandoval Gregori.

 

SERVIÇO
Mobilidade Antirracista
Coletânea de textos que contrapõe direito à mobilidade e racismo
Organizadores: Daniel Santini, Rafaela Albergaria e Paíque Duques Santarém
Edição: Fundação Rosa Luxemburgo, em parceria com a Autonomia Literária.
Para adquirir a publicação, acesse: https://autonomialiteraria.com.br/loja/teoria-politica/mobilidade-antirrascista/

Flavia Ferreira

Flavia Ferreira

Jornalista e viajante nas horas vagas. Sou apaixonada por conhecer novos locais e culturas, assim como por um café quentinho e uma bela taça de vinho.