Porque Iemanjá nasceu de um rio, mas vive no mar

Porque Iemanjá nasceu de um rio, mas vive no mar

 Por Eneida Salles Damazio

Em comemoração ao dia de Iemanjá, o orixá-mãe de todos os oris (cabeças), trazemos um itã – conto mítico que os iniciados no candomblé aprendem para entender a natureza do orixá, ou a personalidades dosfilhos de um orixá ou ainda para entender certos ritos, práticas e quizilas ligados a determinado orixá -. Então neste 2 de fevereiro, conheça um pouco mais dessa iabá tão cultuada no Brasil e que também é a mãe de todos os orixás.

Essa é história de muito tempo atrás, contada de início em outras terras que não as nossas…Depois contada, quase que sussurrada, nas senzalas  ao fim de um dia de lida dura pra gente lembrar de quem a gente era e pra gente lembrar do que os antigos nos ensinavam .

Essa é uma história contada pra cicatrizar o coração magoado pela saudade de nossa gente e de  nossa terra… contada para desanuviar um coração sufocado pelo peso da chibata – símbolo da nossa escravidão.

O tempo correu, uma certa liberdade nos emancipou e essa história já não precisava mais  valer-se de sussurros para ser conhecida.

Mas ainda assim era contada com  o tom baixo, agora baixo por respeito, pois era contada pelos babalaôs, pelas ialorixás, pelas mães-pequenas, pelos pais-ogãs. Era uma história feita de segredos porque era uma história contada pra gente conhecer o Orixá, pra gente conhecer sua sabedoria, sua natureza  e assim conhecendo o Orixá, a gente passava a conhecer como a gente é, a gente passava a entender um pouquinho como os outros são, como e porque o mundo é do jeito que é…

E entendendo tudo isso, a gente, de vez em quando, conseguia entender um pouco da vida e do nosso caminho aqui no Aiê.

Iemanjá nasceu de um rio. Diz-se que do rio Ogum, lá pras bandas da Nigéria.  Nasceu assim negra, assim forte, com seios volumosos, de largos e bonitos quadris. E sendo assim tão bela, logo atraiu o olhar e o desejo de muitos orixás. Dentre eles, estava Oxalá . Oxalá dela se encantou e ela dele se aproximou. Desses amores nasceram  Exu, Ogum e Odé…

Negra bonita e outra vez faceira, despertou novo desejo. Dessa vez a sereia enfeitiçou o caçador Oraniã., fundador de Oyó, filho mais poderoso da já poderosa Ododuà, que criou  todo o Aiê. Oraniã novamente a fez mulher e mãe. Nasceram desses amores  Egun, .Ajaká,  e Xangô .

Quando amou Oxumarê e por ele foi amada, garantiu que mesmo nascendo no céu, Oxumarê- o arco-iris – sempre se rendesse à sua beleza e descesse até o mar… Mas isso só aconteceu quando Iemanjá foi viver no mar..

E por que foi viver no mar ?  Ah! Essa história é boa de contar…

Iemanjá já tinha dez filhos quando se enamorou de Okerê, rei de Shaki. Foi amor intenso e como toda paixão foi tumultuado, tecido em brigas monumentais por motivos muitas vezes pueris. Depois dos dissabores , das amargas feridas feitas pelas brigas e discussões, vinham os tempos das doces carícias da reconciliação. E a paixão continuava.

Okerê sabia que Iemanjá era mulher vaidosa por demais e como toda mulher muito vaidosa, determinados atributos físicos que não atingissem à perfeição eram motivos  para lamentações e tabus de silêncio.

Com Iemanjá eram os seios. Após amamentar dez filhos, sim porque era mãe provedora que não admitia amas de leite, a iabá ficara com os seios compridos demais. Era um defeito que abominava e sobre o qual Okerê não podia falar.

Um certo dia, mais um discussão aconteceu. Okerê irritado, descontrolado e inflamado pela bebida desfez dos seios de Iemanjá, outrora tão belos e   tão fartos . Mas agora tão fartos e tão… compridos!  Pronto estava desfeito o acordo entre eles. Em um átimo, o rei de Shaki entendeu que passara dos limites.

Imediatamente Iemanjá o abandonou, mas o rei procurou detê-la segurando-a violentamente. Ao desembaraçar-se das mãos de Okerê, na luta, caiu e ao cair  seus seios bateram violentamente contra o chão, deles saíram rios .Como a água, Iemanjá flutuava. O rei de Shaki ,em vão, tentou agarrá-la. Mas água a gente não consegue segurar com as mãos.

Iemanjá, de longe, viu a manobra de Okerê e desviou seu fluxo para a direita. De pronto ,o possessivo amante colocou-se na nova rota. A deusa, então, desviou-se para a esquerda, mas a montanha também se deslocou. Iemanjá já estava desesperada, teria de engolir seu orgulho ferido e voltar a viver com o rei ?

Foi quando seu filho Xangô, vendo o desespero em que a mãe se encontrava enviou um relâmpago que dividiu a montanha ao meio, criando espaço para os rios em que Iemanjá se transfomara pudessem passar a caminho de sua libertação.

Como todo rio, Iemanjá encontou o caminho do mar e lá desapareceu. Dizem os antigos que é lá, bem no fundo, que agora mora Iemanjá. Okun onilayê que na língua dos antigos é o mesmo que dizer: Ela é a dona do mundo !

Saiba mais:

Para conhecer mais histórias sobre Iemanjá, assista, agora, ao documentário Contos de Yemanjá :

Canal Vanessa Aragão – You Tube

I

Eneida Damazio

Eneida Damazio

Eneida é mestre em Literatura Brasileira, Estudante de Jornalismo e aficionada por cultura e seus movimentos.