Série – A Belle Époque : Um resgate do belo na luta contra o obscurantismo
No Brasil contemporâneo que abre espaço para um discurso , e o que é mais danoso, para o estabelecimento de uma mentalidade obscurantista que nega a curvatura da Terra, a validade da ciência e quer reescrever fatos históricos sem que haja a descoberta de novas fontes fidedignas, transformando a História em palco para medíocres picuinhas , lembrarmos de um período como a Belle Époque é lembrarmos que , a despeito de todas as imperfeições e problemas advindos do comportamento humano, houve uma época em que se reafirmou a possibilidade de construção de um mundo melhor através da ciência, da arte e da cultura.
O site Cultura em Movimento inicia hoje a publicação de uma série de matérias sobre esse período da história pouco conhecido mas que desempenhou um papel importante na construção de um mundo que nós reconhecemos como “moderno”.
Também nos servirá de incentivo e exemplo para acreditar que embora a razão nem sempre seja a melhor maneira de lidarmos com o mundo, é, sem sombra de dúvida um caminho possível para melhorar nossas vidas.
Imaginando um mundo diferente
Você já se imaginou vivendo sem poder falar no telefone ? Sem poder ouvir música a hora que você deseje ouvir? E sem luz elétrica em casa ou na rua ?
Provavelmente você enlouqueceria se não pudesse fazer a fotografia mais popular dos tempos contemporâneos – a selfie.
Sim, acredite : já houve um tempo em que isso não fazia parte do dia-a-dia das pessoas e mesmo assim se vivia.
Mas quando e de onde surge esse mundo tal como o conhecemos e do qual sentiríamos uma imensa falta se porventura o perdêssemos ?
Esse estilo de vida já tão entranhado, baseado na convivência diária com os benefícios da tecnologia vem de um período da história pouco lembrado, mas muito instigante chamado Belle Époque, uma bela época porque as pessoas viviam mergulhadas em uma onda de otimismo, de esperança no futuro da humanidade.
Uma bela e efêmera época que por breves quarenta e poucos anos, a população europeia viveu um sonho de paz.
Belle Époque, um salto qualitativo de ciência, cultura e arte
Para a maioria dos historiadores, a Belle Époque inicia-se com o fim da guerra Franco-Prussiana, em 1871, e dura até o fatídico ano de 1914, quando eclode o primeiro dos conflitos mundiais vivenciados pelo século XX – a 1ª. Grande Guerra.
Ao findar o conflito entre os franceses e os alemães, não apenas eles, mas também o continente inteiro pode dedicar-se ao desenvolvimento científico-tecnológico que permitiu o surgimento de condições para um fortalecimento da economia das nações.
A esse progresso soma-se um momento instigante na arte que se vê até mesmo estimulada e impulsionada por invenções tais como o fonógrafo, o gramofone, a fotografia e o cinema.
Já fartamente citada é a cômica situação da assustada plateia de A chegada do trem à estação (L’arrivée d’un train em gare de La Ciotat) com a projeção na tela de um trem em movimento em 1896. Os grandes artífices do cinema, pelo menos no que diz de respeito ao desenvolvimento da tecnologia que permitiu a existência de captação de imagens em movimento, os irmãos Lumière abriram espaço para a criação de uma nova arte que misturava, literatura, fotografia, pintura e teatro. Assim deixam suas assinaturas nessa página da História.
Sim, era esse o espírito dessa época: com o término do conflito, surge por toda a Europa uma política de estabilidade que proporciona a consolidação do processo de revolução industrial. A partir do término da guerra franco-prussiana a segunda fase da Revolução Industrial fica inquestionavelmente consolidada. E a mecanização do trabalho não se limita aos centros urbanos, mas atinge também o campo provocando um intenso movimento de êxodo para as cidades. O resultado desse processo é o florescimento de uma cultura tipicamente urbana.
Embora seja costumeiro associar-se a Belle Époque ao incremento da produção artística, uma das características mais marcantes desse período é o de ser uma época em que além do surgimento de novas máquinas voltadas para a substituição do trabalho manual, há um impressionante incremento de descobertas científicas, nos campos da Medicina , inclusive, e de desenvolvimento tecnológico que moldaram o que nós compreendemos como vida “moderna”.
É precisamente neste ponto da curva da história que há uma inflexão com Einstein enunciado sua Teoria da Relatividade..é aqui que a cena de Chaplin, em Tempos Modernos, encontra a razão de sua existência: a linha de produção, a produção em série, inclusive de bens de consumo, que vão dar uma feição hedonista , de deleite, aos dias agora não mais sombrios.
Se há o surgimento de uma classe operária de fato, há espaço para o aparecimento de organização desses trabalhadores através do surgimento de sindicatos e partidos políticos a partir do pensamento de Marx, Engels, Proudhon entre tantos outros difundidos pela circulação cada vez maior e mais facilitada de jornais pela existência de um maquinário moderno, consolidando a atividade jornalística como o palco por excelência para o debate de ideias.
Estava nascendo assim a mais bela das épocas da História.
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