A riqueza da Pequena África

A riqueza da Pequena África

Por William Martins

A expressão pequena África pode dar a entender, ao leitor menos atento, a ideia de um local pequeno, seja na extensão territorial, seja no legado cultural. Mas engana-se aquele que, por descuido, ou seduzido pelo vocábulo, embarca em tal pensamento.

O termo “Pequena África” foi cunhado pelo escritor Roberto Moura baseando-se no compositor Heitor dos Prazeres que ao rememorar sobre a cidade afirmou: “A Praça Onze era uma África em miniatura”. Ao se referir a uma parte do Rio de Janeiro dessa forma, Prazeres remetia-se a um espaço de aproximadamente cinco milhões de metros quadrados, abrangendo da Praça Onze até a atual Praça Mauá. De fato, a Pequena África iniciava no porto do Rio e abarcava os atuais bairros da Saúde, Estácio, Santo Cristo, Gamboa e Cidade Nova, se estendendo até a Praça Onze de Junho.

Heitor dos Prazeres

Durante os anos de 1940, a região foi remodelada por ocasião da construção da Avenida Presidente Vargas. No entanto, o espaço que foi símbolo de resistência cultural por décadas, ainda guarda em locais como a Pedra do Sal e Morro da Conceição importantes remanescentes daquele período.

Do território que compreendia a Pequena África está a Praça Onze, local onde imigrantes recém desembarcados se instalavam, principalmente, pela proximidade com o porto, a linha férrea e o farto comércio.  Dessa forma, lá se encontravam negros, judeus de diversos países, portugueses, italianos e espanhóis – salientando os grupos que quantitativamente estavam mais presentes. Assim, a Pequena África era local de encontro de culturas diversas oriundas de inúmeros lugares, que se reinventavam buscando serem aceitos em uma nova realidade social.

Ao andarmos pela cidade, percebemos os espaços de memória que ela guarda. A memória histórica pode ser compreendida como uma sucessão de acontecimentos marcantes na história de um país. Assim sendo, a memória coletiva é pautada na continuidade e deve ser vista sempre no plural (coletivas), justamente porque a memória de um indivíduo ou país constitui a base da formulação de uma identidade, na qual a continuidade é característica marcante. Se as memórias são revividas e ritualizadas, são também frutos de escolhas, do que deve ser lembrado e do que se quer esquecer.

O Brasil teve um longo período de escravidão e foi o último país do mundo a abolir tal sistema. Segundo o IBGE, 56% dos brasileiros se declaram negros ou pardos. No entanto, mesmo com questões tão marcantes quanto a escravidão e seus reflexos na formação do povo brasileiro, notamos as tentativas de apagamento dessa herança histórica, tanto assim que não possuímos museu da escravidão no país.

 Para aqueles que percorrem a cidade procurando entender a dinâmica social de uma época, destaco um lugar em especial, dentre tantos outros dentro da Pequena África, qual seja: o Cais do Valongo.

O Cais do Valongo é um dos lugares que se tentou apagar da memória social, tanto que ficou durante anos aterrado e só foi redescoberto quando das obras de revitalização do porto da cidade.

Até a primeira década do século XIX, grande parte dos africanos escravizados que chegavam ao Rio de Janeiro desembarcavam na atual Praça XV e a comercialização ocorria na Rua Primeiro de Março. Em 1811, o local de desembarque dos recém-chegados foi transferido para o Cais de Valongo. O objetivo era melhorar a logística do comércio de escravos e concentrar o mercado de africanos num local.

Nesse cais foram desembarcados mais um milhão de africanos escravizados. Também foi construído nas redondezas um verdadeiro complexo escravista com lojas de comércio de escravizados, local onde os cativos eram apresentados aos potenciais compradores.

Conhecer a Pequena África é vislumbrar como a população negra, a partir de estratégias próprias, conseguiu resistir a uma sociedade escravista e que ainda hoje se mantém alerta e atuante em um país racista que tenta ocultar a memória de séculos de opressão. 

Conheça mais sobre a Pequena África, a a partir das informações a seguir:

Leia O Crime do Cais do Valongo, de Eliane Alves Cruz. É um romance histórico-policial da Editora Malê. Imperdível.

A riqueza do universo visual de Heitor dos Prazeres

William Martins

William Martins

William Martins é Historiador, especialista e apaixonado por Rio de Janeiro e seus divertimentos. Co-criador do Lugar de História: consultoria e projetos educacionais.