Cinéfilo: ser ou não ser?
Nos tempos de escola, muita gente aprendeu que a palavra “Filosofia” é uma aglutinação dos termos gregos “Philo” e “Sophia”, onde philo pode ser traduzido como “amigo; o que gosta de; amor”, e sophia por “sabedoria; saber”. Em “cinefilia”, o conceito é aplicado da mesmíssima forma. O sujeito cinéfilo, portanto, e por definição, é aquele que gosta de… cinema.
Gilberto Santeiro é um desses personagens importantes a serem considerados ao falarmos de cinema e cinefilia no Brasil. Santeiro esteve à frente da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro por mais de vinte anos, ora responsável pela programação, ora pela curadoria. Em 2007, em entrevista à Revista Piauí, afirmou que, ao ir ao cinema, sempre escolhe poltronas até, no máximo, a terceira fileira. O comportamento é quase uma orientação de uma de suas grandes referências no meio: Jean-Luc Godard.
Godard dizia que um verdadeiro cinéfilo só pode sentar nas três primeiras filas, para não sentir a presença do espectador e poder se entregar à obra.
Tornar-se cinéfilo é um status que se adquire com a prática através do curso do tempo. Dilatando um pouco o que sugere seu conceito, não bastaria apenas gostar de cinema. Rodrigo Almeida Ferreira, doutor em Comunicação, escreveu, em artigo (2010) publicado pela Universidade Federal da Bahia, que a cinefilia “É antes de tudo, uma maneira de entender a trajetória de mais de cem anos do cinema como reflexo dos últimos cem anos de história”.
O cinéfilo, hoje, é aquele que assiste, ouve, conversa, discute, discorda, pesquisa, lê, interpreta, e, sobretudo, envolve-se com a sétima arte. E também não é.
O site escoteiro.org.br foi além. Criou uma espécie de cartilha com doze itens a fim de classificar e graduar os níveis de cinefilia. Segundo eles, por exemplo, o cinéfilo deve “Demonstrar conhecimento sobre as principais tecnologias utilizadas na produção, gravação e reprodução de filmes desde a criação do cinema.”, e até “Demonstrar conhecimento sobre a legislação que trata do crime de violação de direitos autorais.”.
Contudo, é claro que essas pontuações são para fins particulares e apenas funcionam no universo de atuação dos envolvidos, mas não deixam de expressar como a cinefilia, hoje, tem nuances e afluentes variados que percorrem o curso do “gostar de cinema” de milhares de formas diferentes. Aliás, vale destacar que nenhum desses métodos (seja o de Godard ou o do site acima) são códigos e preceitos invariáveis e universais. Por isso, não devem ser preservados a unhas e dentes por seus seguidores e entusiastas, pois cinema, em sua essência mais verdadeira, é plural e permite uma infinidade de possibilidades ao assisti-lo e até fazê-lo.
Tabata Hellen, 24, é fotógrafa e estudante de jornalismo. Ela nos contou que o cinema se apresentou em sua vida por intermédio da fotografia. Seu interesse pela sétima arte surgiu ainda na infância, mas a partir de um olhar já calcado pelos hábitos e os olhares de quem fotografa.
– Isso foi muito interessante para mim porque eu comecei a perceber que o que eu via enquadrado na TV eu também podia fazer. Eu comecei a criar pequenos enquadramentos de realidades e entendi que aquilo podia contar histórias de pessoas. Foi então que eu comecei a ter essa ligação porque percebi que o cinema fazia a mesma coisa, principalmente o documental, que era uma categoria de filme que já me interessava, contou Tabata.
Tabata também contou que sua relação com a produção audiovisual despontou, primeiro, de seu costume regular de assistir filmes. Como também já fotografava, identificou possibilidades de inserir sua prática ao desmesurável universo dos 24 quadros por segundo.
– Eu comecei a imaginar filmes nas minhas fotografias, sabe? Até hoje acho que é isso. Você conta histórias pelas fotos. E o que me chamou muita atenção no campo do cinema foi a direção de fotografia. Não se trata só de enquadramento da filmagem, mas também tem a ver com o posicionamento de luzes, colocação dos personagens, as técnicas de disposição de câmera e tudo mais. Descobri que era isso que eu queria fazer porque tem muito a ver com fotografia e jornalismo, relatou a estudante.
O relato de Tabata mostra como o entendimento de cinefilia pode ser plural e, consequentemente, expansivo. Não se trata de um conceito fechado e nem de uma ideia homogênea. No caso da entrevistada, o cinema raia como um adendo à sua prática de fotografia, mas também podemos considerar que o audiovisual sempre esteve presente em sua vida em um formato menos óbvio.
O cinéfilo pode ser tudo isso: o sujeito que gosta de ir ao cinema, o sujeito que quer de entender de cinema, o sujeito que entende de cinema e o sujeito que faz cinema. Não existem restrições conceituais e o cinema segue um caminho que permite que todos os seus apreciadores tenham vez e voz.
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