Conversa com Mauro Almeida
Não existe Brasil sem música. Nunca existiu, aliás. O Brasil poderia se gabar para o resto do mundo por ser um país essencialmente sonoro, pois a vida, aqui, tem e faz som.
A construção do que hoje entendemos por música brasileira representa um processo de concatenação tão longínquo quanto os primeiros relatos de que temos acesso a respeito de nossa história. No Brasil, a evolução da música é produto de uma narrativa conflituosa entre grupos sociais e étnicos que atuaram sobre nosso solo ao longo de todos esses anos. As referências europeias (vale destacar a função religiosa da música), aliadas às “contribuições” trazidas da África foram combinadas ao repertório e às expressões musicais indígenas, tornando possível um novo arranjo, com possibilidades sonoras singulares e absolutamente originais.
A música expressa-se como uma das manifestações culturais mais potentes que temos no Brasil desde sempre. Representa, ao mesmo tempo, resistência e luta, enquanto também pode funcionar como aparelho de mercado ao servir, com destacado êxito, ao entretenimento.
Acontece que, como em inúmeros outros palcos de atuação artística, ter talento não é suficiente. É como diz o ditado: Amor não enche a barriga. Para alçar voos maiores, um músico deveria ter, além da indispensável musicalidade apurada, uma grande equipe por trás de sua produção e que fosse competente para gerenciar corretamente sua carreira.
As gravadoras passaram a ter destacado papel na condução e na orientação das tendências e dos sucessos, os famosos hits. Paralelo a isso, os produtores tornaram-se as “cabeças pensantes” do processo de êxito do artista (promoção e produção), elevando exponencialmente a relevância de sua atuação e de sua categoria.
A história de Mauro Almeida
Mauro Almeida, 68, é um desses atores fundamentais da música brasileira. Um homem que pouco seria se não fosse a música durante todos os episódios de sua vida. Começou a trabalhar com música sendo músico, aos 15, fazendo as vezes de guitarrista de uma banda que tocou em bailes do Rio de Janeiro por 20 anos.
E foi ao entrar pela primeira vez em um estúdio com sua banda para gravar um disco que sua relação com a música mudou completamente. Mauro contou que, a partir daquele momento, não queria mais estar nos palcos, mas sim nos bastidores da produção.
– Já na década de 80 para a década de 90, eu comecei a trabalhar como produtor. E eu já tinha parado com a banda, não queria mais. Depois que eu me apaixonei por essa coisa de ser produtor, eu já não queria mais tocar. Eu queria produzir, fazer parte desse processo de criação, porque sabe, tocar é legal, você bota a cara lá na frente e toca, mas o produzir, o dirigir, você tem que achar o cara, achar o repertório, achar a música. Você tem que estar sempre antenado com essa coisa do mercado e foi assim que foi acontecendo até pintar a primeira chance, contou Mauro.
Essa primeira chance foi, de fato, o estopim para a construção de uma carreira sólida. Hoje, Mauro é dos 20 produtores mais premiados do Brasil, já ajudou a vender mais de 130.000.000 (cento e trinta milhões) de discos em variados segmentos musicais, é conselheiro permanente do Olodum e consta no dicionário da Música Popular Brasileira de Ricardo Cravo Albin. Além disso, produziu nomes importantes da música brasileira como Reinado, O Príncipe do Pagode, Belchior, Miúcha, Daniel, Roberta Miranda, Rick e Renner, Leandro e Leonardo, Chiclete com Banana, Jorge Vercillo, Roupa Nova, Matruz com Leite, Agnaldo Timóteo, Dominguinhos e mais um sem número de outros grandes artistas e bandas da música no Brasil. Atualmente, é presidente da Ordem dos Músicos do Brasil no Rio de Janeiro (OMBRJ).
– Na verdade, todas as profissões que mexem com cultura são importantes. Agora, nenhuma é mais importante que a música. Nenhuma profissão da parte da cultura gera mais empregos diretos e indiretos do que a música, afirmou Mauro.
A devoção à música encaminhou Mauro a esse ofício árduo e pouco autenticado. Evidente que seu vasto exercício na indústria fonográfica colaborou para que sua nomeação como presidente do Conselho Regional da Ordem dos Músicos do Brasil fosse confirmada. Assumir um cargo desse calibre em um órgão que vive para os artistas da música no Brasil é um trabalho laborioso, que envolve percalços que datam da metade do século passado e que ainda desajustam a atuação da Ordem em sua mais genuína aplicabilidade: ser o instrumento institucional que opera a favor dos músicos no Brasil.
É diante deste cenário de mercado musical pungente, de alta demanda por parte de assíduos consumidores e do entendimento de que ser músico pode ser um ofício regular, isto é, além de legítimo, legal, que a Ordem dos Músicos do Brasil (OBM) foi criada em 22 de dezembro de 1960. A OBM foi concebida para “exercer em todo o país, a seleção, a disciplina, a defesa da classe musical e a fiscalização do exercício da profissão de músico”.
Mauro é membro da Ordem há cinco anos, sendo presidente do Conselho Regional por dois mandatos consecutivos. Ele explicou que a Ordem não funciona como um clube, ou seja, não tem sua saúde financeira relacionada à anuidades. O patrimônio da Ordem, de acordo com Mauro, sempre se deu através do Artigo 53 (imagem abaixo), uma espécie de royalties que músicos estrangeiros têm de pagar ao realizar apresentações em território brasileiro.
Mauro ainda relatou que nenhum presidente de conselho recebe alguma verba provinda do Art.53 há quatro anos, e que isso tem gerado dificuldades até para pagar funcionários CLT. Ele acredita que o distanciamento da Ordem de seu público alvo (principalmente os mais jovens) durante muitos anos promoveu uma crise sistêmica comunicacional entre as partes envolvidas: músico e entidade. Há, segundo Mauro, um ruído ainda muito ativo e tenaz sobre a elaboração de um mecanismo comunicativo fluido que atente à importância da OMB ao músico brasileiro e o atenda.
Ainda assim, diante de incontáveis obstáculos, o trabalho vem sendo realizado com o máximo de empenho possível para que, sobretudo, a lei seja cumprida com vigor e os músicos do Brasil tenham melhores condições dentro da profissão.
“A Ordem é laica, é antirracista e tem ódio de preconceito. E não pode ser nem um pouco diferente.”
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