Exu, o princípio do movimento da vida
Exu, o princípio do movimento da vida
Por Eneida Salles Damazio
O Cultura em Movimento aproveitando o período das festas juninas vai se debruçar sobre a questão do sincretismo religioso. Não estivéssemos em período de isolamento social, a partir do dia 13 de junho estaríamos vendo inúmeras celebrações de terreiros de candomblé e umbanda para Exu pelo Brasil à fora.
Nos dois artigos que serão por publicados ao longo desta semana, procuraremos apresentar a figura controversa de Exu com a dignidade e o respeito que essa divindade africana merece.
Ao final desta semana, os católicos comemorarão Santo Antônio, santo muito popular no Brasil desde os tempos do Brasil Colônia e que foi absorvido pela resistência cultural dos africanos escravizados, passando pelo processo de sincretismo religioso como não poderia deixar de ser.
Por esse processo, os negros submetidos à catequização procuravam algum ponto que fosse comum entre o orixá e o santo católico. .
Sabemos que a religião é uma forma não só de o ser humano organizar sua experiência de mundo, mas também um modo de demonstrar como ele entende o mundo, a vida, o ser humano e a si próprio enquanto tal. Então a proibição de escravos praticarem sua religião era fundamental para que a dominação daquelas pessoas e o fortalecimento da submissão àquele processo degradante fosse total.
Mas os negros não iriam aceitar isso e a maneira possível foi driblar silenciosamente mais essa violência a que foram expostos. Assim ao postarem-se diante da imagem de santo Antônio descobriram um ponto em comum ora com Ogum – o orixá do ferro – ora com Exu. Mas também há o registro que ele essa entidade foi associada a São Miguel, São Gabriel, São Benedito e até mesmo a São Pedro.
Com Santo Antônio, além da característica da comunicação, a ligação deve ter se dado pela capacidade de se transportar de um lugar para outro ou de ser visto, ao mesmo tempo, em dois lugares diferentes ( o dom da ubiquidade). Tanto é assim que também em outros lugares em que ocorreu o mesmo processo de sincretismo religioso como em Cuba com sua Santeria, encontramos Exu associado a santo Antônio de Pádua. Lá, a ele se referem como Elegbara ou Eleguá.
Com São Benedito provavelmente a associação foi feita pela cor da pele. Benedito é um santo negro. Com São Pedro porque é da essência de Exu abrir e fechar caminhos, ele tem a “chave”, tal como são Pedro que permite o caminho da entrada no Céu, no Paraíso.
Exu é o um, mas ao mesmo tempo também é muitos. Por isso vamos entender quem é Exu, afinal.
Exu no panteão iorubá
Para compreendermos a essência da religião trazida e aclimatada pelos africanos para o Brasil, aprendamos com Juana Elbein dos Santos, antropóloga e também iniciada no culto que escreveu uma obra importantíssima para olharmos a religião de matriz africana como um sistema sofisticadíssimo de interpretação da realidade e da constituição do mundo e do ser humano.
Sua tese de doutorado em Etnologia na Universidade de Sorbonne transformou-se no livro Os nagô e a morte, cuja leitura é fundamental para aqueles que querem de fato conhecer os cultos trazidos para o Brasil.
Por essa perspectiva, dentro da concepção simbólica do sistema religioso nagô, Exu não é considerado um orixá, no sentido restrito que esse palavra assume para os adeptos do culto. Exu tal como o próprio Olorun ( a forma direta que Oludumarê – entidade suprema protomatéria do universo – assume para conectar-se aos homens) é um princípio .Do mesmo modo que o axé – a força vital -é um princípio dinâmico que permite a expansão de tudo o que existe, é Exu que permite o desenvolvimento da própria vida. Diz a sabedoria nagô, que Oludumarê criou Exu como um ebora especial e neta condição, deve residir em cada pessoa. Sim, isso mesmo: cada um de nós tem seu exu pessoal.
Diz Juana Elbein:
“Em virtude de suas competências e poder de realização, de sua inteligência e natureza dinâmica, o Exu de cada um deverá dirigir todos os caminhos na vida. É Ifá quem fala e revela para nos permitir sabê-lo. “ . Santos, Juana Elbein dos.Os Nagôs e a morte. pg 131)
Eis aí elemento de comunicação. Ligando-o então às práticas divinatórias. Exu trabalha como intermediário auxiliando Ifá – entidade que reide os oráculos – ao transmitir as mensagens que orientam nossas escolhas e que nos advertirão dos perigos e ciladas do nosso caminho.
Lembremo-nos também que no sistema divinatório que é o jogo de búzios, por exemplo, há os 16 búzios representando os 16 orixás, mas há um jogo com quatro búzios separado dos demais. Esse jogo pertence a Exu e reza a tradição que foi lhe dado pelo próprio Ifá, o Senhor do Destino.
Assim, é que podemos entendê-lo como Bara Lonan – o guardião dos caminhos.
Ele torna-se responsável pelos caminhos dos seres humanos na medida em que os auxilia a fazerem o uso adequado de seu livre-arbítrio e assim aprenderem a portar-se dignamente em relação a si mesmo e ao ambiente em que vivem.
Por isso também é o dono das encruzilhadas e a imagem da encruzilhada, por sua vez, é a metáfora daquele momento difícil pelo qual que todos já passamos, aquele momento em que os caminhos se bifurcam e temos que tomar apenas um direção ou não sabemos para onde ir.
Assim, entendemos que Exu, longe de ser a negatividade em nossas vidas é o guardador do axé. Longe de ser o promotor da desordem é o orixá da ordem, do equilíbrio da organização e da disciplina. Colaborador ativo do orixá Orumilá e designado pelo próprio Oludumarê como o Guardião do Axé.
Por isso, Laroiê Exu, dê-nos um bom caminho. Traga a realização para nossas vidas!
Saiba mais sobre Exu:
Quer conhecer mais profundamente essa divindade africana ? Leia no link abaixo o excelente artigo de Lúcia Mesquita Damaceno, intitulada No embaralhamento com Exu :
https://periodicos.unb.br/index.php/dasquestoes/article/download/16210/21325/
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