Gal: quando a bárbarie no Brasil era doce.
Gal: quando a bárbarie no Brasil era doce.
Hoje, 9 de setembro perdemos Gal Costa, um dos melhores presentes que a Bahia já deu ao Brasil, ao longo de toda nossa história.
E a Bahia, ao longo de toda a história brasileira nos deu uma riqueza cultural inestimável para a constituição da baianidade e da nossa própria brasilidade.
Hoje estou muito triste pela morte da Gal Costa, ela com Bethânia, Gil, Caetano, Chico, Vinicius, Edu Lobo, Eliis regina, Tim Maia fazem parte da trilha sonora de uma das fases mais felizes da minha vida: minha infância.
Era uma época da ditadura emporcalhando o país, mas era uma época em que os jovens como essa turma acima teimava fazer do país um lugar ainda bonito de se viver, ainda humano, pelo qual valia à pena lutar.
Não empunharam armas, portavam palavras bonitas, frases pra nos fazer pensar, frases para entender o Brasil e porque era bom e urgente continuarmos a ser brasileiros. E quando eu pensava no mundo encantado que meus pais e meus avós me davam de presente, me embalando num colo bom, a sereia nunca era a triste sereia de Andersen ou as malvadas sereias da Odisséia homérica.
Era uma bonita sereia de fartos cabelos negros, de sotaque malemolente, gestos sensuais e sorriso do gato da Alice no país das Maravilhas. Era Gal Costa porque minha mãe dizia que as grandes cantoras tinham sempre alguma coisa de sereia. Era Gal Costa em plena Tropicália, oswaldianamente, macunainamente contracultura . era beleza pura falando de uma simples margarina.
Era sobretudo a hora gostosa da família reunida na frente da TV, assistindo a adaptação de Gabriela, cravo e canela. A Bahia invadia nossa sala, nossas retinas, nossa vida ao som da música tema entoada pela bela voz de Gal Costa. Grande texto, grande autor, grandes atores, excelentes compositores e lá estava ela, a Gal. Ríamos e chorávamos coma Bahia dos coronéis que, metonimicamente, falavam da injustiça do Brasil dos generais.
Hoje ela se foi, outro dia estava aí lutando por Lula lá; digo sempre para essa garotada que desde criança vejo esses deuses da MPB arriscando vida e carreira pela utopia do Brasil justo e inclusivo, e hoje vemos jovens tão velhos com suas suásticas e mascando chicletes de ódio. Dá uma saudade e uma admiração dessa geração que ironizava a bárbarie , transformando a brutalidade de outros em civilizada douçura. Doces bárbaros da civilidade.
Hoje ela se foi como viveu e cantou, atenta e forte, jamais sem temer a morte. E na frente do Criador dirá que Caetano e Gil, seus bárbaros menestréis, tinham razão; tudo é divino, tudo é maravilhoso quando nos permitimos ser.
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