Iansã – a ancestral feminista
Iansã – a ancestral feminista
Por Eneida Salles Damazio
Hoje é dia 4 de dezembro. Hoje é dia Iansã. Hoje é dia de louvar Oiá. Eparreiê Oiá, minha mãe !
Mês de dezembro é mês das iabás. Orixás femininos, mães ancestrais. Mês de dezembro é mês de celebrar o poder do feminino, num país em que o machismo estrutural dá muito trabalho e semeia violência por onde passa.
Nas religiões de matriz africana, o deus supremo Oludumarê domina o mundo, mas está muito distante dele, tão distante que instituiu ministros, delegou-lhes poderes dividindo as forças que regem o universo e a natureza de um pequeno planeta azul chamadoTerra. Deu a estas entidades poderosas, além do domínio de um elemento específico, o controle dos caminhos que cada ser humano vai trilhar pela vida a fora.
A Oiá, coube o domínio exclusivo sobre o vento e, junto com o amor maior entre tantos que teve, o domínio sobre o fogo.
Essa ministra de Oludymarê é também uma rainha, uma iabá (ayabás)
É a senhora dos ventos, das tempestades dos tufões e ciclones. Dá-nos o ar que respiramos e nos assegura a vida; com o seu vento, responde pelo processo da polinização que faz o planeta florescer e frutificar. Enche nossos olhos com a beleza das flores e assegura os frutos que nos alimentarão. Tudo isso e muito mais é Oyá.
Como o ar que está em todos os lugares, se relaciona com todos os elementos da natureza.
Com o vento move as águas e forma as marés.
Também com o vento revolve a terra e torna possível a agricultura.
É através do ar e do vento que, junto com Xangô, cria o fogo que nos aquece nos momentos frios dessa jornada, com o fogo nos possibilita cozinhar e ter comida quente e saborosa.
E com o movimento que faz no ar, permite a energia eólica dos belos moinhos que moem os grãos que saciam nossa fome até os aerogeradores que produzem energia eólica, uma energia limpa que pode ajudar a salvar o planeta.
Nela o poder da transformação reverbera intensamente. Para Oyá não existe o impossível nem a incerteza, tudo transmuta-se, pois perto dela nada fica imóvel. Tudo isso e muito mais é Oyá.
Oyá também é Eléyes
Alguns itans ( contos sagrados) a indicam como filha de Oxum, por isso ela também se aproxima do elemento água. E ambas integram a irmandades das Iyamís – mães ancestrais que tem o arquétipo das feiticeiras -. E, por isso, transformam-se em Eléyes ou “as donas dos pássaros”.
Se Oxum é a “senhora dos pássaros”, Oyá, a responsável pelo vento que os sustenta no ar e os conduz.
Como integrante da irmandade das Iyamís, Oyá também é feiticeira, por isso transforma-se em animal e muitos itans contam como ela leva uma vida dupla de mulher e de animal, usando tal artifício para conseguir seus objetivos e um deles, sem sombra de dúvida , é o de viver em plena liberdade.
Em algumas histórias aparece metamorfoseada em antílope fêmea, em outras em fêmea de búfalo. Esta última é a mais conhecida aqui no Brasil.
Nas casas de culto brasileiras, os chifres de búfalo são guardados perto do assentamento de Oyá. Já no Benim, próximo do altar de Xangô estão os vasos de Oyá e o lado os chifres do antílope agbanlí.
A beleza do antílope é também bela Oyá.
Por que Oyá é Iansã ?
O vento. Sempre o vento é o caminho de Oyá. Foi ele que a levou por todos os lugares, pois o ar que ela comanda circula entre todas as dimensões sagradas. Foi ele que a fez penetrar nos Nove Oruns. Em iorubá, a palavra orun significa céu.
Nas nove partes do Céu, moram os Eguns – o povo do além, às vezes chamados de as 9 crianças celestiais. Alguns itans a caracterizam como a mãe dessas entidades. Por isso ela é Iansã – Iyá omó mesan, nome que aglutinado transforma-se em Iansã -. A palavra significa a mãe das nove crianças.
Embora tenha esse título Oyá ou Iansã não se sente presa à sua prole ou aos seus familiares. Não os abandona , nem os relega a segundo plano. Longe disso. Mas não deixa de ser uma mulher independente que batalha por seus objetivos.Tem interesses que vão além da casa, marido e filhos.
É uma mulher que quer sua independência acima de tudo . Teve amores. Xangô divide com ela o comando do fogo e por isso equivalem-se de tal maneira que simbolizam o ideal de um relacionamento que tem o equilíbrio perfeito entre homens e mulheres: a igualdade.
Assim, Oiá torna-se a personificação da mulher contemporânea, emancipada, e independente mas que tem consciência de sua feminilidade e da liberdade com que a exerce.
Por tudo que vimos e que ouvimos sobre a deusa dos ventos, do fogo e da tempestade , digo: Tudo isso e muito mais é Oyá.
Fontes de Consulta:
Cossard,Gisèle Omindarewá. Awô: o mistério dos orixás. Ed. Pallas
Barros, Marcelo( organizador): O candomblé bem explicado: nações bantu, iorubá e fon. Ed. Pallas
Saiba mais:
Louve Oyá cantando Bela Oyá:
Aprenda a fazer o acarajé , uma das comidas mais ofertadas para Iansã, e uma delícia para a gente degustar.
Recomendação de leitura:
Romance O sumiço da Santa. De Jorge Amado. Narra as peripécias de Oyá pelas ruas da Bahia.
Editora: Companhia das Letras.
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