Carta de um filho: despedida a Carlos Lessa

Carta de um filho: despedida a Carlos Lessa

Por Cristina Nunes de Sant’Anna

Com Pedro Lessa

Carlos Lessa foi muita coisa nessa vida, muita coisa mesmo. Também foi muito, muito importante para o nosso país. Já o admirava quando o conhecia apenas nas andanças de sua movimentada vida pública, passei admirá-lo mais ao construir uma bela amizade com seu filho, o Pedro Lessa.

No último dia 5, Carlos Lessa nos deixou. E deixou-nos num momento muito difícil da vida nacional. Virou feixe de luz, da luz que sempre procurou levar através da sua maneira de pensar e principalmente sentir o Brasil. Quis homenageá-lo. Não me faltam palavras. Mas pensei: o que pode ser mais respeitoso do que honrar um pai através das palavras de seu filho? E assim, deixo a força do professor e economista jorrar mais uma vez através das palavras de seu filho.

Meu amado Professor,

Ele me ensinou a atravessar a rua, ralhou comigo. Assim começou.

Na sexta ele partiu. Na bagagem muitos sonhos, a enorme capacidade de pensar soluções engenhosas, de vibrar com as descobertas, de animar a torcida… Muitos têm dito, ele era um generoso entusiasta.

Nestes dias, com muita emoção vimos a sua vida ser celebrada por muitos brasileiros que o admiravam e amavam. Foram centenas de mensagens, homenagens grandiloquentes e suspiros tímidos.

A família se revelou enorme, diversa e plural, como ele sempre gostou.

Há tempos aprendemos que o pai público é maior… Ele se multiplicou, se tornou plural, deu frutos. Com extraordinária empatia ele transitou entre notáveis e populares, e ensinou que a elite brasileira falhava em não cumprir o primordial papel de cuidar de seu povo.

Aos vinte e poucos anos de idade começou a brilhar… Fez parte de uma constelação de economistas, como Maria da Conceição Tavares, desenvolvimentistas inspirados pelo grande Celso Furtado, que pensaram um Brasil maiúsculo, em que seus filhos tenham a oportunidade de expressar livremente seus ideais e não enfrentar limites para suas realizações.

Sonhou, lutou, militou por um país desenvolvido em todas as áreas do conhecimento para oferecer a oportunidade de trilharem o caminho escolhido. Para ele, a Economia foi criada para servir ao povo, não o contrário.

Incansavelmente, Carlos Lessa pensou um Brasil possível. Crédito da imagem; Tribuna da Imprensa Livre

Com o tempo o seu discurso tornou-se mais acessível. O seu amor pela cultura aflorou.  Ao coordenar o Plano Estratégico do Rio de Janeiro, cidade que tanto amou, mobilizou personalidades diversas, da moda, da noite, da gastronomia, do marketing… O Plano ocupava as manchetes. O seu universo se expandiu.

Interagia com todos. Na UFRJ, removeu as portas de aço da Reitoria… No BNDES, em dois momentos, deixou a sua marca, realizações e resultados.

Vivia cercado de jovens, de idosos, de eruditos e do povo.

Como poucos, conheceu e amou este país. Nunca fugiu da luta. Adorava a controvérsia e não perdia a oportunidade de agregar um comentário.

Há pouco mais de duas décadas o Professor se despedia na UFRJ, de turmas aos prantos. Eles temiam que ele não voltasse. Os médicos sentenciaram que ele sobreviveria por poucos meses. Ele continuou na luta, por mais 25 anos, formando seguidores e vendo seus netos crescerem. E sorriu.

E assim foi, por onde passava criava vínculos e compartilhava conhecimento. Foram centenas de conferências, palestras, campanhas, reuniões. De domingo a domingo, ele não parava…

Os últimos meses foram difíceis. Ele foi o mais simpático dos pacientes. Sempre curioso, aos 83 anos continuava jovem. Lia os jornais… Descobriu os blogs…

Foi então que a pandemia chegou. Vivenciando o drama compartilhado pelos noticiários, a cada dia uma nova ameaça, novos protocolos e cuidados mais assertivos.

Mas, a despeito de todos os cuidados, orações e amuletos, o Covid venceu. Um, dentre tantos, que comprovam que o isolamento vertical não funciona… Há semanas meu sogro partiu. Poucos dias depois, meu pai estava contaminado. Como 10 das pessoas que frequentaram a casa testaram negativo podemos concluir que o vírus foi transmitido pelos profissionais de saúde, vinculados ao homecare.

Agora ele foi descansar.

Parece implausível ele partir neste momento em que o mundo – e destacadamente o nosso país – encontra-se em convulsão, de tantos conflitos, de abusos, de escassez, de mesquinharia, de desrespeito aos Direitos Humanos, de violência e ignorância…

Ele fará muita falta. Os telefonemas vão diminuir, incontáveis amigos e jornalistas que perderam a fonte. Orfandade coletiva. Teremos que recorrer ao banco das memórias, reunir os pedaços e seguir em frente.

Pedro e Carlos Lessa – Arquivo pessoal

Quanto ao “Lessa”, ao Carlos, ao Professor, ao mestre e amigo, desejo que volte ao colo da sua adorada mãe, mate as saudades das tias, conte as novidades ao Pai. Que leve consigo as melhores memórias dos momentos que testemunhou…  Siga acompanhando e nos orientando nos momentos de aflição e em todos de regozijo.Siga em paz, em festa e em glória, meu pai. Siga para a vida eterna e não se esqueça de iluminar os caminhos dos que ficaram. E saiba que o orgulho de carregar o seu nome e as suas ideias nos regenera.

Pedro Lessa é Comunicador Visual. Foi Diretor do Marré de Si, uma fábrica de sabores e saberes; Coordenador do Escritório da UNESCO no Rio de Janeiro; ocupou cargos no Governo do Estado do Rio de Janeiro e na Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro e Diretor de Arte do Verve, um jornal de literatura e artes.

Cristina Nunes
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Cristina Nunes

Cristina Nunes de Sant' Anna é jornalista doutora em Ciências Sociais e pesquisadora associada do Laboratório de Comunicação e Consumo, Lacon Uerj e criadora do blog fanpage Literatura é bom pra vista.