De velhos e coronavírus

De velhos e coronavírus

Por Cristina Nunes de Sant’Anna

Só os velhos vão morrer. É a realidade da vida. Escuta-se de muitos nestes tempos de pandemia.

Será mesmo??? Ou serão os velhos seres de história, memória? Seres preciosos e queridos que representam vidas que vieram antes das nossas e vidas responsáveis pelas chegada das nossas e que são tão importantes quanto outras vidas quaisquer. Em bom português: gente como a gente.

Crédito da imagem: Blog Dicio.com.br

Esquecidos muitas vezes por toda a sociedade, pelos próprios familiares e até por eles mesmos, que optam por se tornarem transparentes, silenciosos e tristes, para não atrapalhar a família, desculpar o descaso e, muitas das vezes, o desprezo, dos filhos. Só que a tendência é que vivamos cada vez mais e, em consequência, fiquemos cada vez mais velhos. É o IBGE que afirma. Segundo a instituição, o Brasil tem 20,6 milhões de idosos (pessoas acima de 60 anos). Número que representa 10,8% da população total. A expectativa é que, em 2060, o país tenha 58,4 milhões de pessoas idosas (26,7% do total). A maioria delas vive nas grandes cidades brasileiras. Vamos matar todos? Ou alguns? Vamos deixar que morram da peste Covid 19 por que são velhos? E se fôssemos nós, os velhos da vez?

Crédito da imagem: YouTube

Uma política social a favor dos idosos foi a entrada em vigor do Estatuto do Idoso, em 2003, a fim de assegurar à proteção ao idoso, entre outras garantias. A Uerj tem a Unati, a Universidade da Terceira Idade, que oferece atividades de cultura e lazer aos idosos desde 1993. Que tal, então, refletirmos sobre o bem-estar do idoso, fazendo um exercício de nos colocar no lugar de um velho e exercitar a empatia, em tempos de pandemias e em tempos em que se ouve dizer que vão morrer mesmo e são descartáveis?

Muitos deles abandonados ainda em vida pela família, órfãos dos próprios filhos, aos velhos destinam-se, muitas das vezes, poucas palavras. O rol vocabular trocado com eles é exíguo. O silêncio, o cochilo constante, a confusão mental ao acordar, comportamentos que chegam com a velhice e que são motivos de riso. Vivos e mudos porque deixam de opinar porque deixamos de lhes perguntar sobre o mundo, a vida, um problema. Esquecidos e silenciados. O velho — o moribundo de quase todos os tempos, mas sobretudo do nosso — por não estar mais normal e produtivo na e para a sociedade: suas pernas doem, não mais obedecem à rapidez necessária do desenvolvimento e da rapidez das tecnologias, das engenhocas eletrônicas. Além da crueldade, zombaria, extrema dependência do outro que por repetidas vezes enfrentam. Moribundos de seus próprios corpos. O velho que pode morrer e ser descartado por um vírus.

Crédito da imagem: ILC Brasil

A velhice, vaticinou o médico e sociólogo Norbert Elias, “é um desvio”. O poder das pessoas muda radicalmente quando envelhecem: o processo de envelhecer produz uma mudança fundamental na posição de uma pessoa na sociedade. Que tal tentarmos escrever uma outra história para nós e nossos velhos?

Crédito da imagem Inicial: Trovo Academy

Cristina Nunes
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Cristina Nunes

Cristina Nunes de Sant' Anna é jornalista doutora em Ciências Sociais e pesquisadora associada do Laboratório de Comunicação e Consumo, Lacon Uerj e criadora do blog fanpage Literatura é bom pra vista.