É que Narciso acha feio o que não é espelho…
Discutir masculinidades esbarra em um sem-número de aspectos que delimitam as fronteiras do aceitável ou não para o homem de todos os tempos históricos. A vaidade é um desses valores. Sabe-se, porém, que o ideal estético de um tempo não é estático, e assim como a moda de vestuário que vai e vem, a moda de “aparência física” também faz esse movimento pendular. Apesar de nunca ter se descolado completamente das noções morais masculinas, ser vaidoso mudou de forma, de roupa, de penteado, de cheiro, de vocabulário e de lugar.
Entender a vaidade masculina de nosso tempo não tem sido tarefa simples a quem se propõe a refletir sobre o assunto. Parece ser quase impossível encontrar um meio de campo entre a frivolidade narcisista que representa uma tônica de expressão e o autocuidado saudável que também repousa nas possibilidades interpretativas da palavra. Esses comportamentos foram classificados pela primeira vez em 1996 no livro The Future of Man, de autoria de Marian Salzman, Ira Matathia e Ann O’Reilly, três publicitários e consultores de marketing estadunidenses. De maneira não oficial, representam, respectivamente, o metrossexual e o überssexual.
– Dois anos após a criação e popularização do termo metrossexual, surge em 1996 um novo conceito para definir e categorizar o que vem a ser o novo homem: o Überssexual […]. Trata-se de um estilo mais clássico de masculinidade, que continua se preocupando com a aparência, vaidade e o bem estar, porém, sem exageros, sem ser narcisista e egocêntrico como o metrossexual, escreveu Marta Cristina Buschinelli Pongidor, autora do texto A vaidade masculina na contemporaneidade líquida.
Mudanças conceituais no curso da história
Com o decorrer dos anos, a ideia de beleza e de belo foi se alterando de acordo com referências da época e de valores morais responsáveis por reger o comportamento de um grupo.
Por exemplo: Platão entendia que a beleza estaria relacionada à bondade; já no século XVIII, o sublime da beleza masculina correspondia a hábitos de ostentação.
Segundo Marta Cristina, “A masculinidade nesse período não seguia rígidos modelos de comportamentos em relação à virilidade, sendo que muitos homens daquela época demonstravam certa “feminilidade” e delicadeza nos gestos, principalmente entre a nobreza“.
Ela também explica que, em razão das profundas mudanças sociais advindas da Revolução Industrial, a noção de beleza se afastou sensivelmente das definições e concepções supracitadas. Agora, o homem belo seria aquele que dispõe de força, rigidez e virilidade, atributos essenciais ao ofício nas fábricas da época.
“A mão de obra masculina foi decisiva para o desenvolvimento do mundo contemporâneo, mas mudanças no corpo do homem se fizeram notar, e, consequentemente, nesta época, toda a preocupação com moda e beleza acabou por centralizar-se no indivíduo de sexo feminino (ECO, 2004).”
Tantas alterações de princípios geraram conflitos para o estabelecimento de um conceito mais rijo que, enfim, pudesse definir com mais precisão a vaidade masculina e o comportamento “ideal” do homem. Caminhava-se por duas superfícies distintas: a primeira, onde o modelo tradicional regido pelo patriarcalismo de todos os tempos sugeria o homem macho (animalesco), mais próximo àquele da Revolução Industrial, e a segunda, mais recentemente considerada, em que o homem pode ser sensível e não cria objeções para expor seus sentimentos.
Vaidosismo, portanto, não se trata apenas de fitar a própria aparência para admirá-la com firmeza e desligar-se do resto do mundo. Não mesmo. Ser vaidoso, hoje, inclui também o exercício de perceber a própria vida para encontrar soluções saudáveis aos reveses e saber satisfazer-se com o que está indo bem.
A relação “egoísmo x desleixo” encontra equilíbrio a partir do entendimento da vaidade como tópico importante ao bem estar individual, particular, interior, mas não único e principal na vida de um sujeito que vive em sociedade. Trata-se de sentir-se bem para que haja harmonia em outros aspectos da vida. A construção desse terreno, porém, pode partir de inúmeros starts, incluindo o da aparência, mas não é um cerco fechado, tenaz e inflexível. Há quem se sinta bem cozinhando, cuidando do jardim, fazendo as tarefas de casa, sendo produtivo no trabalho, escrevendo este texto, lendo todos os livros que puder, sendo bom pai, viajando, se exercitando e até assistindo filmes em casa sozinho. São vaidades individuais, intransferíveis e, sobretudo, legítimas ao não ferir a si mesmo e nem ninguém.
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