Episódio 4: a fraude de antecipação de recursos

Tratando-se de golpes on-line, a fraude de antecipação de recursos (Advance fee fraud) merece destaque para a construção desta série. Essa prática criminosa cibernética é um dos crimes virtuais mais antigos que existem e que mais extrai da vítima.

Aqui, o golpista procura induzir a vítima a fornecer informações confidenciais ou a realizar pagamentos adiantados em troca de benefícios futuros. Na fraude de antecipação de recursos, a vítima é envolvida em alguma situação excêntrica que fundamente a concessão de seus dados pessoais ou o depósito de algum valor em dinheiro aos golpistas, que, por sua vez, garantem confidencialidade, o estorno do valor transferido e mais: uma bonificação exagerada pelo serviço prestado.

Golpe da Nigéria

Uma das variações mais comuns dessa categoria de golpe virtual é o Golpe da Nigéria (Nigerian 4-1-9 Scam), e segundo o especialista em combate a fraudes e autor do livro Manual das Fraudes (2005), Lorenzo Parodi, o golpe pode ser considerado uma versão atualizada de um velho roubo chamado “Carta da Nigéria”.

– Os nigerianos são mais conhecidos porque inventaram o esquema, que existe há mais de 30 anos. Há registros desses golpes por aqui quando não tinha internet, e eles mandavam por carta. Há uma infinidade de variações. Todas visam a convencer a vítima de que ela está prestes a receber um grande benefício (financeiro ou emocional) e que, para conseguir isso, só falta realizar alguns pagamentos, conta o especialista.

Curiosidade

O número 419 é uma referência ao Código Penal Nigeriano e equivale ao artigo 171 no Código Penal Brasileiro, isto é, estelionato.

A vítima

Edson Castro, 34, foi vítima de fraude de antecipação de recursos há alguns anos, mais precisamente em 2009, e contou que o prejuízo sofrido levou mais de dois anos para ser recuperado.

– Na época, eu recebi um e-mail dizendo que um homem muito rico estava fechando negócios no Brasil, mas que as leis daqui não estavam deixando ele fechar essas coisas. Ele não falava de onde era, só que estava na Rússia para reuniões. Eu lembro que na mensagem dizia que o email tinha sido enviado para muitas pessoas, e que quem colaborasse receberia um bônus bem gordo, mais ou menos uns 30, 40% do valor movimentado nos negócios. Eu, desempregado por causa daquela confusão toda em 2008 lá fora (Crise econômica de 2008), resolvi me envolver pra melhorar a vida da minha família, relata Edson.

Edson, que alegou não ter mais registros das mensagens trocadas e nem dos recibos das transações, disse que depositou cerca de 1500 dólares (cerca de 3.090 reais à época) ao empresário para que ele pudesse dar prosseguimento às supostas tratativas. O dinheiro disposto por Edson, porém, provinha de suas economias familiares, o que, segundo ele, gerou certo constrangimento dentro de sua casa.

– Eu só tinha falado disso com meu irmão, que não mora aqui no Rio. Ele não tentou me impedir, nem nada, mas pediu para que eu conversasse com minha esposa sobre isso de mexer na poupança. A gente estava numa situação muito ruim, então eu só falei com ela depois de enviar o dinheiro. Eu tinha certeza de que daria certo, por isso fiz tudo sozinho. Depois de falar com ela eu percebi que poderia ter feito besteira, mas guardei pra mim. Tentei não parecer que estava com medo de dar errado e todo dia eu dizia a ela que estava conversando com o tal empresário, o que era mentira, apontou.

O problema de Edson se agravou ao perder contato com o remetente que havia solicitado o envio do dinheiro. Edson relatou que poucos dias após receber uma mensagem dizendo que o dinheiro estava conferido, não obteve mais respostas dos criminosos e, por isso, temeu não ver mais seu dinheiro de volta.

Eles pararam de me responder assim que o dinheiro caiu. Nessa hora eu fiquei desesperado porque eu não tinha como fazer contato com eles, ir atrás, gerar uma denúncia, qualquer coisa, sabe? Eu não sabia nem de onde eles eram. A verdade é que eu fiquei cego mesmo. Quis sair do buraco e acabei afundando mais. Eu demorei mais de dois anos pra ver aquele dinheiro na poupança de novo porque ainda fiquei mais uns meses desempregado. Minha esposa trabalhava em um salão de cabelereiro no nosso bairro, então só fazia dinheiro se tivesse cliente. Não foi fácil aceitar que fui iludido porque achei que estava fazendo a coisa certa. Depois disso, eu fiquei um bom tempo sem mexer em computador, essas coisas. Hoje eu mexo no trabalho e uso o celular, mas não chego nem perto de fazer compras, coisa de banco e tal, comentou a vítima.

O relato de Edson expõe a virtude vital da fraude de antecipação de recursos e como esse golpe se expressa. A vítima, que no caso relatado encarava dificuldades financeiras, encontrou nas promessas do crime uma possibilidade de contornar suas adversidades e apostou suas fichas no desconhecido.

As entrelinhas do golpe

Além do tradicional Golpe da Nigéria, a fraude de antecipação de recursos também possui outras “modalidades”. Por se tratar de um golpe que oferece um falso benefício à vítima, os golpistas costumam criar recortes específicos de alvos: geralmente, o interesse se concentra em regiões pobres ou que estejam passando por conflitos políticos e socioeconômicos. Nesse caso, a lógica por trás da escolha desse arranjo não é de difícil entendimento, uma vez que quando as carências se tornam extremas, a oferta de um benefício surge como a possibilidade de contorná-las ou até mesmo superá-las.

Os criminosos da fraude mapeiam bem seus alvos e agem cirurgicamente sobre o psicológico das vítimas, que costuma estar fragilizado pelas condições dramáticas em que estão inseridas. É diante dessa condição de vulnerabilidade que o golpe encontra êxito e se mantém até hoje como uma das principais ameaças no mundo virtual.

O psicólogo Giano Azevedo, 44, contou que é bastante comum os criminosos investirem em projetos em que eles criem algum tipo de relação entre as partes envolvidas, ou seja, em que as relações com a vítima sejam menos impessoais. E para que isso seja possível, muitos criminosos estabelecem laços de confiança com seus alvos, tornando mais provável o sucesso dos golpes. Isso tudo é facilitado, segundo Giano, sobretudo pelas condições de necessidades que a vítima está sujeita em seu cotidiano.

Pedro Júnior

Pedro Júnior

Jornalista de tudo e de qualquer coisa.