Literatura como remédio, afago, esperança e superação
Literatura como remédio, afago, esperança e superação
Por Cristina Nunes de Sant’Anna
Muitas de nós, mulheres, temos passado por momentos difíceis e até violentos durante este tempo de confinamento forçado, em que mais de 200 mil pessoas morreram pela “gripezinha” e a vacina avança a conta-gotas, pela desorganização e inércia de muitas de nossas supostas autoridades.
Gostaria, então, de receitar a todos e às mulheres em especial, muitas doses de literatura.
E literatura nos serviria pra quê ?
Serve-nos para dar expostas a tantas perguntas que ainda nem nos fizemos porque temos medo de fazer.
Serve-nos para acessar a chave da imaginação originando epifanias às muitas perguntas e problemas que achávamos sem resposta ou solução.

A Literatura nos ensina viver com garra, mas também com serenidade, bem como a entender que a felicidade não é viver plácida e totalmente feliz todo o tempo, mas acalentar propósitos, ideais e esperanças. Todos inabaláveis.
A literatura nos faz compreender a palavra do outro, somos agraciados pelo êxtase da empatia, um dos mais belos e nobres exercícios humanos: se enxertar no lugar do outro.
A literatura nos torna mais sensíveis e perspicazes por nos treinar a ter paciência e sabedoria de esperar o momento devido de ir e também o de ficar.
Quando Gustave Flaubert descreve o bolo de casamento de Ema, assistimos à formação da burguesia francesa. Ema casa-se. Ganha pronome de tratamento e sobrenome, pelo marido, o médico Charles. Agora atende como Mme. Bovay . Mme Bovary pare sua filha. Era o que esperavam dela. O bolo de casamento fica à espreita, vendo se a personagem fez o que a burguesia exige dela.
Quando, no entanto, a protagonista não mais suportar a vida que lhe foi imputada e sai em busca de experiências amorosas por achar que tem direito a elas, ela está dizendo não à hipocrisia do seu bolo burguês casamenteiro. Ela que ser, primeiro, Ema: a mulher que ama, que quer ser amada e ter prazer.

O romance foi escrito em 1857 e Mme Bovary, como muitas mulheres, queria para si outro papel que aquele esperado pelas mulheres do seu século: submissão ao marido, à família, à sociedade. Ema queria a liberdade de escolher seu parceiro. A protagonista morre no final, mas nos instrui, pela literatura. Por intermédio da literatura, vivenciando a força desta protagonista e nos fortalecemos com ela.
Já Honoré de Balzac, no livro A Mulher de Trinta Anos, publicado em 1842, faz-nos saber que uma mulher ao chegar aos 30 anos, era tachada de velha e ultrapassada pela sociedade machista de seu tempo ( alguma semelhança com o nosso século XXI não terá sido mera coincidência). Mas Julie, a protagonista, recusa-se a aceitar este destino e se considera, embora madura, pronta para este destino e se considera, embora madura, pronta para viver uma paixão. Julie crê ter direito de ser feliz, como mulher e escolher com quem.
Estas lições que a literatura nos decifra ocorrem porque todo texto literário guarda uma função social e o escritor, por sua vez, durante este ato solitário de criação, vale-se da reflexão sobre seus principais instrumentos de trabalho: a linguagem, a literatura e a função social desta. A literatura se reporta à nossa existência, mergulhando fundo nela, a fim de nos consolar com exemplos e insights.
Em Literatura e Sociedade, Antônio Candido nos diz que o aspecto orgânico da civilização pode nos ser transmitido pela literatura e a literatura é a própria civilização.
Em Vários Escritos, Candido nos esclarece que a literatura desenvolve em nós uma quota de humanidade, tornando-nos mais compreensivos e abertos para a natureza e a sociedade e o semelhante.
No artigo que fez intitulado O Destino da Literatura, Lima Barreto elucida para nós que a literatura “ explicou e explica a dor dos humildes aos poderosos; ela faz compreender uns aos outos, as almas dos homens dos mais desencontrados nascimentos, das mais dispersas épocas, das mais diversas raças”.
Pois enquanto não estivermos todos vacinados, mediquem-nos com literatura. Mais do que fortalecer, ela faz nossa esperança prevalecer.
Saiba mais:
Que tal assistir a Mme. Bovary, nesta produção de 2014?
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