A construção mítica e imagética do 7 de setembro
A construção mítica e imagética do 7 de setembro
Por Eneida Salles Damazio
Sete de setembro é para os brasileiros de hoje a data em que comemoramos oficialmente a nossa independência como país.
Nossa ideia do fato histórico em que culminou o processo de independência no Brasil é uma imagem: o quadro O Grito do Ipiranga de Pedro Américo.
Esse quadro simboliza o processo de construção política não só do país como nação soberana mas como construção simbólica da monarquia brasileira Ou para usar uma palavra da moda, o quadro constrói a “narrativa” que o poder imperial utilizou para consolidar-se como poder, dar continuidade à formação nossa identidade nacional e reforçar o conceito de nação brasileira, individualizada das demais, principalmente da nação portuguesa.
É certo, porém, que recentes produções da historiografia brasileira demonstram que a independência do Brasil vinha se formando antes e foi muito além daquele certo momento do dia 7 de setembro de 1822, retratado por Pedro Américo.
Veja alguns dos mitos produzidos pelo célebre quadro de 1888 que caem por terra:
A própria data do Sete
7 de setembro como a maior data de comemorações do calendário nacional , pois seria a data de nossa independência. Não foi vista assim no próprio ano de 1822 e nem foi como tal comemorada em 1823.
De fato, 7 de setembro só passou a ser encarado como uma data a ser comemorada em 1826, quando da 1ª. legislatura do Parlamento brasileiro.
Entenda-se: após a independência que não foi noticiada imediatamente, aliás, as datas comemorativas ligadas ao processo de nossa independência eram o dia 9 de janeiro – o famoso Dia do Fico, quando em 1821, D. Pedro desobedeceu às ordens do rei de Portugal e permaneceu no país- e o dia 12 de outubro, este já comemorado no próprio ano de 1822,não somente porque era aniversário de D. Pedro I, mas porque ,quase à guisa de um presente, foi o dia de sua aclamação como Imperador.
Realmente, foi um presente e, respeitando as tradições de “herança” de poder, já instaurada a partir do sistema de capitanias hereditárias, D. Pedro” recebe” um país inteiro do papai, pois D. João ao retornar a Portugal, percebendo que o processo de separação do Brasil era inevitável, aconselhou ao seu garoto com a famosa frase: Meu filho, põe a coroa sobre tua cabeça antes que algum aventureiro dela lance mão.
Garbosos corcéis ou simples mulinhas ?
No quadro de Pedro Américo, justamente por se esforçar em construir a figura de D. Pedro como uma figura grandiosa, diante de uma tarefa hercúlea – a de construir uma nova nação – vemos Pedro e seu séquito montados em belos cavalos , muito deles brancos.
Como em todo bom conto de fadas, o príncipe tem de vir montado em um lindo corcel.
No entanto, segundo o engenheiro Jorge Pimentel Cintra, especialista em cartografia histórica da Escola Politécnica e do Museu Paulista, em artigo da Revista Anais, do Museu Paulista, devido às condições do terreno serem íngremes era muitíssimo provável que D. Pedro e sua comitiva usassem mulas , muito mais adequadas ao trajeto.
Pelo quadro, vemos o momento do brado “heroico e retumbante”, como convém à figura de um príncipe libertador.
Realmente, ao receber as cartas de D. Leopoldina e de Jose Bonifácio, irritado com o desdém das Cortes portuguesas que o tratavam de rapazinho e brasileirinho – D. Pedro ,de temperamento forte e intempestivo, deve ter realmente ficado indignado, mas sem grandes forças para gesto tão grandiloquente, uma vez que encontrava-se acometido por uma forte crise de disenteria, que inclusive era a responsável pelos emissários de Leopoldina o encontrarem naquele local. pois estava “aliviando-se”.
Como se vê realmente fomos brasileiros desde o início. E a nossa cara.
E o rio Ipiranga ?
Segundo Jorge Cintra,, o local exato da proclamação seria hoje onde fica a pista de skate do Parque Ipiranga, a 450 metros longe do rio.
A inclusão do rio foi uma opção estética de Pedro Américo, pois sabia que tinha, entre outros objetivos, inclusive o de criar uma simbologia que contribuísse para a formação de um imaginário tipicamente brasileiro , já que a construção de uma identidade nacional foi tema relevante até a semana de 22, já no século XX.
Quem declarou primeiro a Independência ?
Foi D. Leopodina.
- Pedro, como estava em viagem, só a referendou . Leopoldina assinou a declaração e independência, uma vez que respondia pelo governo pois o marido encontrava-se em trânsito.
Mas D .Leopoldina articulava o processo de independência há muito, juntamente com José Bonifácio. O resto virou História…
Foi mesmo o Independência ou Morte?
A wibe não foi bem essa. Embora houvesse uma luta com dimensões realmente heroicas na Bahia, que terminou com a expulsão das tropas portuguesa no 2 de julho.
Entretanto, embora o Brasil tenha vencido a guerra da Independência, terminou indenizando a Coroa portuguesa e alguns particulares. A desculpa esfarrapada foi a de que haviam sido deixados bens de particulares portugueses, da Família Real e da comitiva de D. João. Esquecendo-se do fato que D. João saiu daqui por vontade própria e antes da Independência.
Assim pediam que fossem ressarcidos. De fato se hoje, no Rio de Janeiro, podemos desfrutar do acervo do Real Gabinete Português de Leitura é porque originariamente ele pertencia a Real Biblioteca.
Enfim, a indenização foi de 2 milhões de liras esterlinas, moeda inglesa, pois a Inglaterra era a eminência parda do imbróglio.
Em moedas correntes, valeria doze milhões, quatrocentos e dezesseis mil e sessenta e seis reais e sessenta e cinco centavos. Até que não é tanto assim por um país, qualquer vencedor da megasena acumulada, pagaria com os pés nas costas.
Saiba mais:
O artigo completo de Jorge Pimentel Cintra:
O sítio da independência no Ipiranga: as vicissitudes de um local histórico
https://www.revistas.usp.br/anaismp/article/view/185914
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