Volta aqui, palhaço!

Existe circo sem palhaços? Existe, claro. Mas existe circo sem graça também. Você, leitor, gostando ou não, os palhaços estão aí. Nas ruas da cidade ou numa praça iluminada. Em um grande hotel e até em hospitais. Ah, eles também estão em casa. Palhaços dormem, assistem tevê e fazem comida. A ideia de palhaço já foi tão explorada nos mais variados setores de entretenimento que, mesmo que nunca tenhamos ido ao circo, sabemos exatamente como eles podem ser. Sim, como podem ser porque palhaços não se resumem às suas maquiagens e uniformes.

A grande palhaçada não tem data de nascimento. Provavelmente, não existem registros sobre a origem da bobeira, daquilo que nos faz rir frouxo, sem controle, até a barriga doer e faltar o ar para respirar. Mas é óbvio que alguém datou o princípio da expressão, o que já nos garante um importante norte para a solução desse caso.

Il Pagliaccio

A palavra palhaço vem do italiano pagliaccio, um personagem da Commedia Dell’Arte, uma forma de teatro popular que nasceu na Itália no século XV e que logo chegou à França. Esse movimento tem grande valor de vanguarda no que se refere à popularização dos circos e dos palhaços na Europa, uma vez que representava um entretenimento acessível, inteligível, convincente e, sobretudo, legítimo. “Negar” a erudição tônica daquele tempo, naqueles países, foi um ato de coragem consagrado pelo devir.

Esse pagliaccio, porém, ainda não é o personagem amado e temido (na mesmíssima proporção) que nós conhecemos. O palhaço, o nosso, surgiu no início dos anos 1800. Foi Joseph Grimaldi, ator britânico, que trouxe ao mundo a figuração de palhaço que até hoje consumimos: o Joker.

Ele (Grimaldi) vinha de uma carreira nas chamadas arlequinadas, a versão britânica da Commedia. Os pagliacci italianos haviam dado origem ao clown. Grimaldi transformou o clown em personagem principal e, para chamar a atenção para si, pintou seu rosto com cores de branco e vermelho, com um moicano azul.”

Joey, the Clown

Joey, seu personagem, foi um sucesso indiscutível. O público amava o palhaço e venerava Grimaldi, que tão logo teve inserção em outros países europeus. Vale pontuar, contudo, que Grimaldi teve uma “mãozinha” de ninguém mais, ninguém menos que Napoleão Bonaparte, que, não satisfeito com as críticas e as sátiras a seu respeito nas representações da Commedia Dell’Arte, proibiu-a no Velho Continente a partir de 1797. O teatro popular só voltaria a ser permitido em 1979, quase 200 anos depois. Grimaldi, que pouco ou nada tinha a ver com isso, embalou-se na condição de estrela em ascensão num universo quase só seu e marcou seu legado nos anais de história da graça e do riso.

Por anos, Grimaldi foi a estrela da comédia europeia. O palhaço trazia graça, fazia graça e era engraçado. Alguns circos, a partir do sucesso de Grimaldi, passaram a montar seus espetáculos a fim de preparar o terreno para o grand finale: as apresentações de seus palhaços. Não mais seriam apenas “tampões” entre um espetáculo e outro, agora sendo o próprio espetáculo, o motivo da lona lotada.

Porém, apesar do sucesso enquanto ria e fazia rir, Grimaldi morreu miserável. O ator sofria de depressão profunda e lidava com um alcoolismo resistente. Por trás da maquiagem cintilante e dos números contagiantes, Grimaldi escondia um homem amargo, triste e impotente ante suas dores. A descoberta desse lado tão dolente de sua vida permitiu brechas para a reflexão sobre o humano que se transveste de feliz e tem como função, ofício e obrigação, ser para os outros aquilo que, por vezes, ele não é. Não tardou para que essa perspectiva fosse explorada pela literatura e, posteriormente, pelo audiovisual. O palhaço moderno, portanto, passou a representar o antagonista de sua própria existência.

O outro lado da palhaçada

Essa outra persona começou a ganhar terreno no imaginário popular mais recentemente. O primeiro palhaço não feliz que se tem relato literário na ficção foi Hop-Frog, em 1849, personagem do aclamado escrito Edgar Allan Poe (O Corvo). Tratava-se de um bobo da corte que sofria abusos do rei e era constantemente exposto ao ridículo para prazeres dos outros.

Em 1874, a ópera Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo, é centrada em um palhaço assassino. E mais exemplos continuaram a pipocar vez por outra. O ator britânico Lon Chaney Sr, uma vez afirmou: ‘Um palhaço é divertido no circo. Mas qual seria a reação normal ao abrir a porta à meia-noite e encontrar o mesmo palhaço ali, à luz da lua?‘”

Coringa e Gwynplaine

E o Coringa, o palhaço do crime? O Joker tem inspiração assumida em O Homem Que Ri, romance de Victor Hugo (Os Miseráveis). Em 1940, doze anos mais tarde do lançamento da história, o Coringa já nasce palhaço, macabro e assassino.

No início da década de 1980, Poltergeist – O Fenômeno explora o terror e o medo em um palhaço de brinquedo possuído por um fantasma – apesar de não representar a tônica do filme, o palhaço está lá como ser malevolente; em 1986, Stephen King lança It, romance de terror que fez (e ainda faz) muito sucesso e narra as atuações de uma entidade nefasta que mata crianças pequenas: o palhaço Pennywise.

Na vida real, tem-se o exemplo de John Wayne Gacy, serial killer estadunidense que se vestia de palhaço.
Em 1978 foram encontrados, em sua casa, vinte e nove corpos. Suas vítimas eram rapazes com idade entre nove e vinte e sete anos. Muitas vezes as torturas eram feitas por uma de suas personalidades: O Palhaço Pogo.

É evidente que tantos casos recentes, ficcionais ou não, que apontam para a noção de que palhaços e terror estão conectados sucedeu em sugestionar essa abstração com potência no subconsciente de muita gente. Há, inclusive, uma fobia específica para o caso de medo de palhaços: a coulrofobia.

Psicólogos que estudaram a questão falam no Uncanny Valley (vale misterioso, em tradução livre), uma sensação de repulsa visceral a coisas que parecem quase humanas, mas não totalmente, como robôs humanoides – e gente com cara pintada.”

Ou seja… faz sentido não se sentir confortável diante de palhaços, principalmente se você nasceu depois dos anos 80. Mas também faz muito sentido amá-los, querê-los por perto e se acabar de rir. Ninguém nasce com medo de palhaços e nem os palhaços nasceram com a intenção de amedrontar alguém. É inegável que essa associação foi bem sucedida (ainda é) e gerou muito dinheiro aos escritores e aos estúdios de cinema, mas a história não nos deixa mentir: a supraessência dos palhaços está na palhaçada no melhor dos sentidos e com toda graça do mundo.

Pedro Júnior

Pedro Júnior

Jornalista de tudo e de qualquer coisa.