Autistas sofrem com mudança de rotina durante a quarentena
A necessidade do isolamento social tem sido um grande desafio para famílias que possuem crianças e adolescentes com o Transtorno do Espectro Autista (TEA). A mudança repentina de rotina provocada pela pandemia do novo coronavírus, para uma criança autista que possuía uma agenda diária cheia de atividades que preenchiam sua rotina, pode gerar estresse, ansiedade, agitação e tédio.
A dificuldade na adaptação diante desse novo cenário é comum e causa sensação de insegurança na criança. O insulano Bruno Oliveira, líder do grupo Compartilha, instituição de pais que lutam pela conscientização e direitos dos autistas, vive essa situação dentro de casa. Ele é pai do João Vítor, de 16 anos, que possui o transtorno autista.
– Está sendo bem difícil manter o João em isolamento social. Há uma dificuldade enorme dele em assimilar o motivo de não poder mais sair. E isso prejudica o ensino. Ele não consegue sentar-se na frente do computador para assistir às aulas on-line. O que eu faço para tentar aliviar essa ansiedade é dar uma volta de carro, passar pelos lugares que costumava frequentar para mostrar que está fechado e não tem como entrar por enquanto. Mas o meu grande medo é ele ficar resistente para a antiga rotina quando o isolamento terminar, afirma Bruno.
Outro grande problema é com relação aos cuidados básicos necessários para a proteção à Covid-19, como a necessidade da higienização constante e o uso de máscaras. Algumas pessoas com autismo tendem a apresentar dificuldades sensoriais e comportamentais. O contato da máscara com a pele, por exemplo, pode causar sensação de sufocamento. Cristiane Maria, mãe do Guilherme Silva, de 13 anos, afirma que é praticamente impossível cumprir integralmente a quarentena.
– A grande preocupação é essa. O Gui é superativo e o nível de estresse que ele atinge ficando dentro de casa é muito grande. Quanto à máscara, sem condições. Eu coloco, ele tira, coloco novamente, ele joga fora e ficamos nessa difícil situação, relata a mãe.
De acordo com a psiquiatra infantil e pediatra, Drª Aline Mussuri, especializada em crianças com o transtorno autista, foi necessário reajustar a medicação para alguns de seus pacientes em razão do enclausuramento. “Principalmente as crianças que moram em casas pequenas e viviam uma rotina superativa estão sofrendo para se adaptar. Crises, agitações e agressividades são comuns. Ressalto aqui a garra e a habilidade que algumas mães estão tendo para driblar esse imprevisto e manter o filho na quarentena”, conclui.
A questão jurídica envolvida
Cidadãos autistas no Brasil têm os mesmo direitos assegurados pela Constituição Federal de 1988 aos demais cidadãos brasileiros, incluindo o Estatuo da Criança e Adolescente (Lei 8.069/1990) e o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).
Porém, a legislação brasileira menciona direitos sui generis aos portadores do TEA e para as famílias responsáveis. Uma fundamental questão suscitada durante o tempo de pandemia e quarentena é a jornada de trabalho, uma vez que enquanto muitos setores adotaram o home office, outros seguem operando com funcionários presencialmente. Em caso de pais que tenham filhos autistas e tenham de trabalhar fora de casa, a dificuldade em encontrar quem possa estar com os filhos, seja por recomendações de isolamento ou por recusas associadas à interação com crianças autistas, gera profundos transtornos à família.
É indispensável estar ciente de que a constituição brasileira garante, por exemplo, desde 2016, jornadas de trabalho reduzidas para pais de filhos autistas. A Lei 13.370/2016, contudo, apenas envolve funcionários públicos e, para solicitar a redução da jornada, é preciso requerimento administrativo junto ao órgão gestor, apresentando a comprovação das necessidades do dependente.
Outras medidas adjutórias legais também podem assumir caráteres essenciais durante a pandemia, como por exemplo prioridade de atendimento (Lei 10.048/2000), gratuidade no transporte interestadual ao portador de TEA que comprove renda de até dois salários mínimos (Lei 8.899/94) ou o Decreto 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial e estabelece atendimento educacional especializado, entre outras providências.
A vereadora Tânia Bastos (PRB-RJ), considerada a madrinha da causa devido à sua mobilização em prol do cuidado, da conscientização e da luta por direitos aos autistas, disse que um dos maiores obstáculos enfrentados pela família é a dificuldade em obter um diagnóstico precoce que permita tratamentos mais objetivos e eficazes em relação ao quadro real do portador.
– Isso acaba ocasionando o atraso no tratamento multidisciplinar. Veja bem, quanto mais cedo uma criança for diagnosticada, maiores as chances dessa criança se tornar um adulto ou uma adulta com autonomia. Mas, infelizmente, aqui no Brasil, nós não temos um protocolo de identificação do diagnóstico precoce, afirmou Tânia.
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