Ainda um dia há de nos chegar a Independência !

Ainda um dia há de nos chegar a Independência !

Eneida Salles Damazio

Hoje é o 7 de setembro, mas não é um sete de setembro qualquer para nós, brasileiros. Pelo menos não deveria ser, porque comemora-se, hoje, duzentos anos da independência do Brasil .

Mas será que realmente conseguimos nos libertar e nos erigirmos como nação soberana ? Muitos comentam que esse processo de independência meio que “flopou”, já que foi feito pelo filho de D. João VI, o próprio príncipe regente , D. Pedro I, tudo resolvido pelo alto. E lá se foi o Brasil seguindo sua vocação de capitania hereditária…

Obviamente que, ironias à parte, o processo se deu também por um verdadeiro sentimento de revolta contra as pressões das Cortes Portuguesas que pressionavam para que os avanços obtidos pelo Brasil em decorrência de ter sido transformado em Reino, unido a Portugal fossem revogados. Mas os brasileiros já haviam descoberto o gostinho de não ser mais uma colônia e perceberam que era hora de cortar os laços de uma vez por todas e o resto . como se diz virou História.

Mas a verdade é que, por esse processo ter sido conduzido pelo próprio príncipe português não chegamos de fato como povo, como nação a sedimentarmos um forte sentimento de nacionalidade, que foi uma das questões daquele tempo e que os escritores da época esforçaram-se por criar no campo do ficcional.

Veio a Semana de 22 para reafirmar ou criar (era uma das polêmicas da época), no plano artístico, simbólico, de uma vez por todas a nossa identidade, enquanto Povo, Nação e Cultura mas…

Sempre tem um mas, uma vírgula, uma pedra no caminho,  como diria Drumond para mostrar que as coisas não são exatamente como parecem. Há cerca de cinco ou seis anos, lecionava Língua Portuguesa para alunos do 6o. ano numa escola municipal aqui no Rio de Janeiro, o sete de setembro iria cair num dia que ensejava um feriadão. Naquela conversa de ” Que legal, essa semana tem feriadão!”, ouço a pergunta quase surreal:

-Por que é feriado, tia ?

-Oi? Como assim ? É sete de setembro ! – respondo já meio surpresa e, um pouco irritada com tamanho desconhecimento

-Mas por que é feriado?

Pasma, explico que era o Dia da Independência do Brasil . Vejo olhares de confusão, de desinteresse, nenhum de curiosidade . Mas curiosa estava eu para saber porque ninguém naquela turma tinha a menor ideia do que era independência e ainda por cima do Brasil.

-Gente, o que a gente comemora no dia da Independência ? – pergunto . Silêncio sepucral !

-Gente, o que foi a Independência do Brasil ? – insisto com tristeza por aquela situação tão absurda e cruel para aquelas crianças (pré-adolescentes), para nós todos, como nação.

Um, mais destemido’ (graças a Deus sempre tem alguém assim) diz:

-Não sei.

Resposta cristalina. Explico que foi quando o Brasil deixou de ser colônia de Portugal, que D Pedro e fui por  aí…Nada. Como todo professor basicão, resolvi na analogia curta e direta: É o dia do aniversário do Brasil.

-Ah ! Tá.

-Então tem de ter bolo – o engraçadinho lá do fundo soltou. Rimos todos. Mas o meu sorriso era triste. Fui para a outra turma de  6o. ano. Já comecei com o “Gente, essa semana  tem feriado. É dia da Independência do Brasil, o que é a Independência ? ” O mesmo cenário desolador. 100% das minhas turmas naquele ano não tinham o conhecimento mais simples, mais fundamental da história do próprio país. Tive vontade de chorar. Nessa hora lembrei do meu tão querido Vinicius de Moraes em Pátria Minha: ” Vontade de beijar os olhos de minha pátria/ De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos / Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde))/ tão feias/ De minha pátria sem sapatos / E sem meias, pátria minha / Tão pobrinha ! “

Hoje, ao escrever “essas mal traçadas linhas”, lembrei-me do primário que fiz em escola pública, da alegria de ir desfilar, no bairro, na parada de  7 de setembro.  Lembrei também que havia um certo ministro da Economia, naqueles anos 60 e 70, que, metaforicamente, pregava ser necessário primeiro  fazer o bolo crescer, para depois dividi-lo. Lembrei agora do bolo de aniversário do Brasil, sugerido pelo meu aluno.

O bolo cresceu, não dividiram bem, teve um pessoal aí que tentou por treze ou catorze anos uma divisão um pouco melhor, mas como eles pareciam personagens saídos de um conto de fadas – um deles era um sapo barbudo, a outra uma princesa guerreira, ou mais exatamente, ex-guerrilheira – ,  não deu muito certo e hoje, neste 7 de setembro para muita gente que o sapo barbudo e a princesa ex-guerrilheira  tinham assegurado três refeições por dia ou passa fome, ou vive em regime de insegurança alimentar; se houver bolo pelo “aniversário” do Brasil, vai ser feito com soro de leite, carcaça e pele de frango.

E essa fome ou migalhas ou carcaças é a metáfora em carne viva da falta de conhecimento, de um sistema de ensino, em especial o público, que conduz  as crianças e adolescentes brasileiros a uma tragédia anunciada para si e para a nação como um todo. Mas nós, professores, temos que entender que não é só de grandes politicas públicas e ações de ministros e secretários de Educação que a melhoria da educação brasileira ocorrerá. Ocorrerá também com nossa ação diária, não apenas como profissionais, mas como povo que empreende ações e gestos na construção do tecido social do país como nação. Na esperança que um dia ainda haverá independência de fato e de direito grito com a emoção que tinha em criança: Viva o Brasil !

Em tempo: O Vinicius de Moraes , como antena da raça brasileira, terminou tendo razão. As cores auriverdes ficaram muito feias de uns tempos para cá.

Eneida Damazio

Eneida Damazio

Eneida é mestre em Literatura Brasileira, Estudante de Jornalismo e aficionada por cultura e seus movimentos.