Lula, um gigante que nunca ficou eternamente deitado em berço esplêndido

Lula, um gigante que nunca ficou eternamente deitado em berço esplêndido

Por Eneida Salles Damazio

Ontem,  primeiro de janeiro de 2023, ocorreu a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi a 3a. vez que o Lula sobe a rampa .

Dessa vez, além da “polêmica” – como os bolsonaristas gostam de adjetivar os fatos para ter pretexto de começar as tretas da qual se nutrem – a subida da rampa foi quase um thriller de suspense: quem passaria a faixa ? Haveria snipers e fanáticos tresloucados dispostos a tudo, como em filme americano ? Etc etc etc.

Qual o quê ! Essa subida foi de uma beleza contundente, carregada de simbolismos. Foi a subida de um projeto democrático e plural. A democracia consubstanciou-se em todos os corpos que galgavam aquela rampa.

Lá estavam, lado a lado, dois políticos com trajetórias diferentes, a “esquerda” e  a “direita”; Lula e Alckmin emprestaram seus corpos para mostrar que  política se alimenta de visões e interesses diferentes, até mesmo antagônicos. Demonstraram que se pode ser adversário, mas que nunca se deve transformar um outro brasileiro em inimigo. Irmãos de uma mesma nação não podem se permitir entenderem os outros como inimigos, muito menos como inimigos “internos”. É uma atitude muito feia, mesquinha e até mesmo ridícula.

Nessa linda subida para o alto, para as portas de um palácio, o “povo” veio junto, não mais se quis mero espectador. Tomou as rédeas de seu  destino.

Índios, negros, mulheres brancas e pretas, pessoas que se entendem além de uma deficiência física, crianças, trabalhadores, as primeiras-damas que dão apoio aos maridos, quando em cargos do Executivo . Todos estavam lá. Houve espaço para a simbolização da família brasileira, sempre com  seu cachorrinho vira-lata a tiracolo. E num ambiente assim, podemos ter certeza de que Deus está, verdadeiramente presente.

Comecei a chorar  ao  ouvir os primeiros acordes de Fabiano , o Trompetista, mistura de militante e bardo mágico, menestrel da resistência nos tristes e sombrios anos por que o país passou. Fabiano retribuiu com delicada poesia à brutalidade que nos era imposta. Lindo gesto, gesto de ser humano. Gesto de gente  que sabe amar.

Meu choro não foi de alívio, e bem poderia ser. Foi da emoção que temos ao contemplar o Belo.

Ao ver aquele homem baixinho, tão distante dos padrões arianos de beleza, com a cabeça toda branca que traduz a altivez dos que triunfaram  por toda uma vida sobre as injustiças sofridas, entendi, de uma vez por todas, que Lula é o Povo Brasileiro..

Nome tirado de santo católico como manda a religiosidade em que a população se apoia para enfrentar a desigualdade cotidiana, retirante, operário qualificado, líder sindical no final da ditadura militar. Nordestino, com toda a carga de aversão que essa palavra desperta em grande parte dos habitantes das regiões Sul e Sudeste do país. A ascensão social veio através do curso técnico e depois da carreira política. Lutou até chegar à Presidência da República. Não para se locupletar ou para massagear o ego.

O danado do pau-de-ararinha tinha uma ideia precisa na cachola: a de fazer do gigante deitado eternamente em berço esplêndido um lugar digno de se viver. Um lugar em  que todos tenham comida, trabalho, saúde, educação, respeito.

Um lugar em que as pessoas se gostassem e por isso gostassem dos outros e do lugar onde nasceram.

Um lugar de alegria, paz e bem-aventurança.

Qual herói de cordel, Lula enfrentou ameaças e subiu a rampa junto com os seus companheiros, tão povo quanto ele mesmo. E o Brasil viu que seus filhos não fogem da luta. Mas o fazem de  um jeito muito nosso: com afeto, sem violência e com alegria. Lula não subiu  a rampa sozinho, pois tem a consciência que o dirigente de uma nação é tão “povo” como os demais habitantes do país.

Qual herói de cordel, mostrou-se grande como um gigante, mas gigante vindo do povão, da caatinga, das matas, da periferia, nunca dormiu no ponto.

Os anos do Partido dos Trabalhadores, lembravam-me  a Camelot dos livros da infância. O brasil do PT quase cumpriu o destino de Camelot: o de ser destruído pela maldado do ressentimento, da cobiça, da ganância.

Porém Lula, e todos nós que votamos nele, sabemos que não somos o Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda.

Somos os anti-heróis, filhos de Macunaíma e o nosso destino é nunca ser vencido. O nosso destino é virar constelação.

 

Eneida Damazio

Eneida Damazio

Eneida é mestre em Literatura Brasileira, Estudante de Jornalismo e aficionada por cultura e seus movimentos.