PEGAÇÃO: O FRUTO DA CULTURA PROIBICIONISTA SECULAR

Se você é homem e já adentrou em algum banheiro público, seja ele no shopping, academia ou museus, é bem provável que já tenha se deparado com situações que evidenciavam a famosa e secular pegação também presente nas praças taciturnas como: Aterro do Flamengo ou bosque da Barra da Tijuca. Deixando claro que a pratica é considerada crime previsto no artigo 233 do código penal que prevê detenção de até três meses ou multa.

Fruto da cultura proibicionista das praticas sexuais não normativas, a famosa pegação desafia as leis e a moralidade da cultura brasileira. Longe de ser um ato transgressor revolucionário, tal comportamento foi durante muitos anos uma das únicas formas de poder exercer sua sexualidade em uma sociedade punitiva e extremamente hipócrita. Descrita em diversos recortes centenários descobertos em diários secretos como o de Roger Casement: A pegação no sigilo tem o seu fundamento.

13 de janeiro de 1910, terça-feira – Gabriel Ramos – Entrou até o fundo. Ultima vez
– Excitado na Barca as 11:h30 indo Icarahy “preciso muito” 15$ ou 20$. Ainda na Barca o jovem “caboclo” magro escuro olhando sem parar & bem que queria – Teria ido, mas Gabriel “Querido” esperando no portão da Barca! Muito tesão. Estocadas fundas.
24 fevereiro 1910, quinta-feira – Valdemiro – 20$

Retirado do livro Devassos no Paraíso 4ª edição de João Silvério Trevisan Editora Objetiva

Roger Casement , foi cônsul-geral irlandês no Rio de Janeiro em 1909, sua função era cuidar dos assuntos triviais relacionados a negócios irlandeses, mas como bem vimos nos trechos acima, não eram só de negócios financeiros que Casement entendia, impulsionado por sua clandestinidade, Casement, escreveu em seu famoso Black Diaries diversas aventuras clandestinas e sigilosas no período em que esteve no Brasil.

Fruto de um ideal social cristão, muito próximo do que a gente vive hoje, da qual instituições religiosas e politicas tentam a todo custo colocar nossos corpos e sexualidades a sombra de suas doutrinas, não assumir sua natureza sexual e viver em clandestinidade, ainda é uma condição de sobrevivência e neutralidade. Longe de ser confortável – sendo essxs agentes reiteradores de padrões normativos potencialmente opressores, trazem consigo o outro lado da moeda: Reféns de sua própria natureza.

Ainda no seculo passado, em 1961-2, Tulio Carella, professor argentino universitário que veio cumprir um contrato como professor de direção e cenografia na escola de teatro na universidade local em Recife, também registrou em diários suas aventuras sexuais. Longe da esposa e família descobriu sua homossexualidade nas terras quentes do Brasil.

Caminho até o Cais de Santa Rita. sento-me na balaustrada, É tarde. Não demora a aparecer um negro me olha e começa a urinar, fingindo esconder-se. Ao terminar, senta-se perto de mim. É robusto, forte e, na meia luz do lugar só se veem com clareza seus dentes[…] Toma a minha mão e a acaricia admirando sua alvura. Depois, suavemente, leva a minha não a sua coxa, ao seu pau já duro. Seu riso é deslumbrante, e me diz que somos irmãos. Se quiser nos encontraremos amanhã. Eu quero[…] É ridículo, mas me sinto como se tivesse doze anos

Retirado do livro Devassos no Paraíso 4ª edição de João Silvério Trevisan Editora Objetiva

Carella acabou sendo preso pelos militares brasileiros, suspeito de traficar armas de Cuba para as ligas camponesas de Pernambuco. Tudo isso porque as autoridades militares da época receberam informações de que Carella frequentava o cais a noite . Carella foi preso, torturado e até mesmo ameaçado de ser jogado de um avião em voo. Ao revistarem sua casa encontraram seu diário com diversas anotações como as de cima. Túlio foi solto, porem na condição de não falar absolutamente nada do que viveu nos dias em que esteve preso, logo após o episodio, ele foi demitido e teve de retornar a seu país.

Nos tempos atuais, quantos de nós não ouvimos ou vivemos situações em que somos chantageados a desmoralização e excluídos de nosso convívio social, pagando assim o nosso preço por sermos quem somos. As violências, são inúmeras, percorrem desde o corpo físico ao psicológico amedrontando e isolando no armário uma infinidade de pessoas que podem passar uma vida inteira sem se assumir.

Feito um termômetro social, enquanto houverem banheirões e pegações acontecendo desde os ambientes digitais, identificados como sigilosos, aos espaços taciturnos como labirintos e galerias, sabermos que se assumir socialmente ainda é uma tarefa extremamente difícil e que como todos que hoje desfrutam de sua sexualidade assumida, um dia, travaram batalhas sociais e tiveram medo, essas pessoas também sentem e temem o perigo. Vamos respeitar o tempo de cada um.

Jorge Capo
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Escritor de contos, roteirista e jornalista