Três filmes gratuitos pra combater o baixo astral

Três filmes gratuitos pra combater o baixo astral

Por Eneida Salles Damazio

O Cultura em Movimento entra com tudo na luta contra a crise do coronavírus. Mas do modo que só a gente sabe fazer: com cultura, arte e quando dá sempre  com muito bom humor. Afinal, endorfina reforça nossa imunidade.

Por isso, estreamos hoje uma coluna semanal chamada Cine Brechó.

Brechó é aquela lojinha que há muito tempo, deixou de ser vista como loja de produtos velhos e mal conservados e passou a vender produtos de boa qualidade, mas que já não se acha mais no mercado.

E fazer boas compras em brechó vem se tornando também uma arte. O nosso Cine Brechó é como aqueles brechós de artigo de luxo, só que com uma super vantagem: os filmes indicados além de serem de qualidade, estão disponíveis no YouTube GRATUITAMENTE.

“Melhor que isso, só dois disso! “, como dizia a minha avó. Ou melhor, três disso!

Sim, três ! porque só dessa vez vamos indicar três filmes, pra você fazer uma maratona e fugir do baixo astral por estar em casa recolhido para escapar do coronavírus. Então, desliga do problema e se liga na telinha do computador.

1.Nove Rainhas (Nueve Reinas) – Argentina – Canal: OJO LOCO

Esse filme argentino de 2001 é a cereja do bolo da nossa maratona. Por isso vale um comentário mais extenso.

 O cinema argentino é excelente, mas não temos muito acesso às suas produções, o que é uma lamentável para nós, pobres cinéfilos brasileiros. Em primeiro lugar porque é um cinema de altíssima qualidade e em segundo porque, apesar da diferença no idioma, passamos pelos mesmos problemas políticos e econômicos que o nosso passado de colônia deixa como herança. Então, diferenças à parte, encontramos muito de nossas alegrias, angústias, dores, medos ou vitórias no cinema de nossos hermanos.

Foi justamente esta razão pela qual indico Nove Rainhas de Fabián Bielinsky. O enredo narra as peripécias de dois malandros, Marco e Juan, que vivem de pequenos golpes, mas que resolvem dar um passo bem maior: enganar um milionário espanhol, vendendo a ele uma cópia de selo raríssimo chamado Nove Rainhas , como se fosse o autêntico.

Filmes de malandragem, de golpes têm forte ressonância no inconsciente coletivo brasileiro, pois a malandragem, a apologia do jeitinho é uma unanimidade nacional, motivo de orgulho por representar não só o tipo de manifestação da inteligência, mas também quase que um presente vindo dos deuses que nos coloca muito acima da Ciência, da racionalidade entre outras coisinhas mais.

Enfim, o filme é um contraponto às dificuldades de se fazer cinema em países como a Argentina e o próprio Brasil que convivem com crises econômicas constantes como a que os dois países passam atualmente .Esse primeiro longa-metragem do diretor, que foi realizado em meio à crise econômica da década de 90 e o início dos anos 2000, facilita o estabelecimento de um processo de identificação do público com os dois vigaristas e com seu jeito de superar revezes financeiros, pois seu comportamento é quase justificável. Os protagonistas encarnam a figura do anti-herói o que já é meio caminho andado para a empatia com o público

O diretor Fabián Bielinsky , morto, no Brasil, prematuramente aos 47 anos quando se preparava para filmar um comercial na capital paulista, foi um dos diretores mais marcantes do cinema argentino. Começou sua carreira no cinema ainda no Ensino Médio noColégio Nacional de Buenos Aires, em 1972, formou-se em Cinema   pela prestigiada Escuela Nacional de Experimentácion y Realización Cinematográfica, situada na capital argentina.

Bielinsky, além de ser professor de cinema, começou sua carreira como assistente de direção e roteirista, a princípio de filmes publicitários e, transitando, em seguida,para filmes ficcionais.

Nove Rainhas é justamente o ponto de inflexão de sua carreira, além de ser roteirista é seu primeiro trabalho como diretor e o início da parceria com o excelente ator Ricardo Darin, o Marco , desse longa. Em sua curta carreira recebeu seis prêmios – incluindo melhor filme e o de melhor direção – Condor de Prata (o Oscar portenho), pelo filme Aura, também protagonizado por Ricardo Darin.

Para os espectadores mais acostumados com esse tipo de filme de trapaça, marcado por reviravoltas quando um malandro engana ooutro malandro, se tiver o olhar atento vai sacar o grande trunfo do filme  e o desfecho não será tão imprevisível assim. Basta só seguir as pistas muito discretas  que atravessam o roteiro. Bom filme.

2.Amor Desaparecido ( The Last Valentine) – Canal: CINECALIDAD

É um despretensioso drama romântico, mas muito bem construído e agradável de se assistir. No YouTube você só o encontra dublado. Filme feito para a televisão, e que  tem na veterana atriz de TV, Betty White,  um ponto interessante que justifica sentar e curtir o filme.

Betty é uma das pioneiras da televisão americana e não apenas como atriz. Foi  uma pioneira no protagonismo feminino por detrás da câmeras, pois foi uma das primeiras mulheres a produzir programas. Além de ser comediante, sai-se muito bem como atriz dramática como vemos em Last Valentine.

Quem tem alguma familiaridade com os filmes e séries de TV americanas vai se deparar com Betty White fazendo personagens construídos por um humor ácido e cínico como vimos na personagem Sue Ane Nivens do lendário Mary Tyler Moore Show, ou a politicamente incorreta Mrs Kline do filme A casa caiu com o grande Steve Martin. É uma Betty White completamente diferente do humor que chega ao sombrio da alma humana da personagem Catherine Piper das três temporadas de Boston Legal.

Amor Desaparecido é um filme inspirado no livro homônimo de Michel Pratt que também assina como um dos roteiristas dessa adaptação para o cinema. Nesse filme de 2011, exaltam-se ideias que poderiam ser consideradas conservadoras tais como amor eterno, família tradicional, patriotismo, mas que pela condução do enredo mostra-se mais como uma expressão de humanismo que independente de ideologias é da essência de nossa da natureza .

É o retrato de uma geração de americanos que acreditava na possibilidade de verdadeiramente ajudar ao próximo, ajudar ao país;  é o retrato de uma época em que havia um senso de coletividade, senso que foi paulatinamente sufocado pelo individualismo dos tempos mais recentes da sociedade americana .Retrata também um drama real que afetou milhares de famílias americanas e ,em especial as mulheres, que a partir da 2ª. Guerra Mundial conheceram uma rotina: a enfrentar a procura ou a espera, muitas vezes infrutífera, pelos desaparecidos em combate.

Um ponto alto do filme é a bonita fotografia de Frank Prizz que entre outros sucessos também foi o diretor de fotografia de Febre da Selva, de 1991, de Spike Lee e a reconstituição do cotidiano da vida americana durante a guerra, incluindo aí não só os figurinos e mais principalmente os hábitos e os comportamentos.

Prepare a pipoca, alguns lenços de papel e muitos suspiros.

3.Lisbela e o Prisioneiro- Canal: LISBELA E O PRISIONEIRO OFICIAL

Sem sair desse clima de romance e pra fechar com chave de ouro nossa maratona, curtamos os filme de 2003, Lisbela e o prisioneiro, do diretor Guel Arraes.

O filme é uma adaptação da primeira peça de Osman Lins ( escritor, dramaturgo e professor de Literatura Brasileira), que recebeu lições de dramaturgia de ninguém mais , ninguém menos do que Ariano Suassuna e cuja influência é perceptível em toda a sua obra. Um curiosidade é que Osman Lins escreveu alguns casos especiais para televisão, especificamente para a TV Globo que tem sobre contrato diretores e atores presentes nessa versão cinematográfica.

Lisbela e o prisioneiro, encenada pela primeira vez em 1961, fala de um universo da nossa cultura popular que o diretor Guel Arraes denominou, em várias entrevistas na época doe lançamento, de nordeste pop. A expressão é perfeita e se traduz visualmente nos cenários e figurinos  A familiaridade do diretor com esse texto vem de um especial que dirigiu para a TV Globo ( com Diogo Vilela e Giulia Gam como o casal de  protagonistas) e da sua posterior direção do mesmo texto para o teatro, com Virgínia Cavendish – a Inaura do filme – como Lisbela.

A adaptação para o cinema tem Guel Arraes , Pedro Cardoso e Jorge Furtado como roteiristas. Não tinha com o filme dar errado. Fórmula  certa para o sucesso. O mais bacana do roteiro é a opção pela metalinguagem, o filme é uma declaração de amor ao cinema: há uma homenagem ao espectador que vai ao cinema para antecipar a esperança de encontrar algum dia o grande amor. E aí é filme dentro de filme. Aliás, a música “O amor é filme” que faz parte da trilha sonora – outro trunfo do longa-metragem – traduz o fio condutor que o diretor traça para o filme com extrema exatidão.

Nesse período de quarentena, e baixo astral vale à pena ver e rever uma lindo filme sobre o grande amor de uma vida.

Crédito da Imagem:

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Eneida Damazio

Eneida Damazio

Eneida é mestre em Literatura Brasileira, Estudante de Jornalismo e aficionada por cultura e seus movimentos.